quarta-feira, 30 de abril de 2014

Todas as gratidões… Edna Domenica Merola [(in) Pessoa]

Todas as (in) gratidões são
problemáticas.
Não seriam (in) gratidões se não fossem
problemáticas.


Também sofri em meu campo (in) gratidões,
Como as outras,
problemáticas. 


Se há (in) gratidões para aprender relevar
Tendem a ser em situações
problemáticas.
  

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca souberam relevar
situações problemáticas
É que são
problemáticas.
  

Quem me dera no tempo em que relevava,
Sem dar por isso, situções
problemáticas.  

 
A verdade é que, a partir de hoje,
As minhas memórias dessas (in) gratidões

que envolvem situações problemáticas
Não serão
problemáticas.

Todas as (in) gratidões esdrúxulas,
Assim como as gratidões não esdrúxulas,
Serão, consideradas naturalmente,

                       emblemáticas.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

RELEITURA DO TEXTO "OLHA O PÃO DE MARIA". Edna Domenica Merola.

TEXTO NARRATIVO: Olha o Pão de Maria! (MEROLA, 2011). 

Maria é uma vendedora sem carteira assinada, que se infiltra  para trabalhar  nos cantos onde as pessoas se aglomeram para se divertir ou mesmo para fazer suas compras diárias da mão de vendedores legalmente instituídos. Para Maria todo dia é dia de trabalho, porque todo dia é dia de viver.
Maria vende miudezas comestíveis ou não. Quem define são os transeuntes dos locais mais propícios às vendas de Maria. Independente do que fale depois, Maria inicia assim sua fala a quem passa, em frente à escola:
‒ Olha o pão de Maria! Compra caneta, mochila, boneca, refrigerante em lata, caneca de tomar água, bolacha, revista pra criança! Para aqui com seu guri! Compra e ajuda no ganha-pão de Maria!
Às vezes Maria recita para chamar a freguesia. Certa vez tive o privilégio de ouvi-la contar a história da própria vida. Era algo meio narrado e meio cantado, porque o falar de Maria intercalava suas frases com letras de músicas de autores famosos. A seguir deixo a própria Maria contar para os leitores tudo o que ouvi naquele dia.
‒ O pão de Maria começa com o nascimento do trigo e de Maria que sou eu.
‒ Eu era somente pequena semente, guardada no ventre da mamãe. Fui crescendo na barriga...
‒ No dia em que eu vim pra esse mundo, minha mãe chorava em ai “e meu pai rezava em ui”.
‒“Ave Maria, gratia plena,” ai, “benedictus frutus ventris tui”. Ui! “Santa Maria, ora pro nobis!”
‒ E enquanto minha mãe chorava de dor e meu pai rezava de medo, o espaço em que eu estava, ficava cada vez mais estreito. Então quando ficou apertado, galguei luz. Nasci!
‒“Nasci Maria, quando a folia, perdia a noite, ganhava o dia. Foi fantasia meu enxoval, nasci Maria, no Carnaval. E não me chamaram assim como tantas, Marias de santas, Marias de Flor, seria Maria, Maria somente, Maria semente de samba e de amor. Não era noite não era dia, só madrugada, só fantasia. Quem sabe a sorte me sorriria e um dia viria de porta estandarte, dançando com arte, puxando cordão. E em plena folia de certo estaria nos olhos e sonhos de mil foliões.”.
Na realidade, fiquei somente sob os “olhos e sonhos” de dois foliões que foram meu pai e minha mãe, na mocidade. E que, com alegria, me embalavam, cantando...
‒“Dorme minha pequena, não vale a pena despertar. Eu vou sair por aí afora, atrás da aurora mais serena. Dorme, minha pequena! Não vale a pena despertar.”
Eu era esperta e para comemorar meu pai cantava assim:
‒ Upa Maria “na estrada, upa pra lá e pra cá! Vige que coisa mais linda, upa”, Maria, “começando a andar, começando a andar...”.
E minha mãe acrescentava, olhando pra mim:
‒ E já começa a fugir pra não apanhar!
E o pai retrucava, dirigindo-se a mim:
‒ Eu te falei pra não morder o cachorro.
Fui crescendo, junto com a cidadezinha em que morava. Eu era criança peralta e isso preocupava minha mãe que assim cantava:
‒ Menina “desce daí, senão você vai cair”.
Por ser franzina, minhas roupas eram feitas pela minha mãe com pouco pano. Ao terminar a confecção de uma roupa nova ela mostrava-a para mim e cantava:
‒ “Menina bacana, lá da Martinica, se veste com uma casca de banana nanica.”.
Quando já era adolescente queria ir aos bailes de Carnaval, mas o pai me proibia. Eu ficava no quarto e imaginava que estava na festa e um moço chegava pra mim e dizia:
‒ “Quem é você? Diga logo, que eu quero saber o seu jogo.”.
E eu respondia:
‒ Sou porta-estandarte, não há mais pra contar. “Eu, modéstia à parte, nasci para sambar”.
E meu príncipe encantado respondia:
‒ “Mas é Carnaval, não me diga mais quem é você. Amanhã tudo volta ao normal. Deixa a festa acabar, Deixa o barco correr. Deixa o dia raiar, que hoje eu sou da maneira que você me quer”!
E eu, por minha vez respondia:
‒ “Seja você quem for. Seja o que Deus quiser. Seja você quem for. Seja o que Deus quiser.”.
‒ Deus vai querer porque “não existe pecado do lado de baixo do Equador, vamos fazer um pecado rasgado, suado... Quando é missão de esculacho, olha aí, sai de baixo, sou embaixador!”  dizia ele.
Mas daí, eu ficava muito inibida e dizia:
‒ “Quem foi, quem foi? Falou no Boi voador? Manda prender esse boi, seja esse boi o que for. O boi ainda dá bode. Qual é a do boi que revoa? Boi realmente não pode voar à toa. É fora, é fora. É fora da lei, é fora do ar. É fora, é fora. Segura esse boi, é proibido voar!”.
Já adulta percebi que o que valia a pena no Carnaval era clamar por:
‒ “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós... E que a voz da igualdade seja sempre a nossa voz.”.
Essa foi a história que ouvi do meu povo pela boca de Maria, ao passar pela rua, certo dia. A partir de então, batalho sempre para que a liberdade seja sempre a nossa “sinfonia de pardais, anunciando o alvorecer”. E de corpo inteiro, “no fim do dia, rezo uma prece: Ave Maria!”... A prece pela liberdade: o verdadeiro pão de Maria...
Florianópolis, dezembro de 2010.
Citações extraídas de letras de músicas:
Ave Maria. Charles Gounot
No dia em que eu vim embora. Caetano Veloso e Gilberto Gil.
Acalanto para Helena. Chico Buarque de Holanda.
https://www.vagalume.com.br/chico-buarque/acalanto-para-helena.html
Maria Carnaval e Cinzas. Luiz Carlos Paraná. 
https://www.letras.mus.br/roberto-carlos/383719/Upa Neguinho. Edu Lobo.
Noite dos Mascarados. Chico Buarque de Holanda.
Maria Maria. Milton Nascimento e Fernando Brant.
Não Existe Pecado ao Sul do Equador. Chico Buarque de Holanda.
Boi Voador Não Pode. Chico Buarque de Holanda e Ruy Guerra.
Samba Enredo Imperatriz Leopoldinense 1989. Niltinho Tristeza, Preto Jóia, Vicentinho e Jurandir. 
https://www.letras.mus.br/imperatriz-leopoldinense-rj/46373/Ave Maria no Morro. Herivelto Martins.


REFERÊNCIA

MEROLA, E. D. A Volta do Contador de Histórias. Florianópolis: Nova Letra. 2011.



Alunas das Oficinas de Criação Literária do NETI (turma 2016.1): Juçara, Dalva, Cleide, Marta e Dulce.
Tarefa: Redigir cartas tendo como base as protagonistas femininas do Conto "Olha o Pão de Maria!" (Merola, 2011) e do romance "Dom Casmurro" de Machado de Assis.


Florianópolis, 20 de Maio de 2016.
Saudações, Amiga Capitu,

Desejo que está lhe encontre bem e com saúde.
Amiga, tenho pensado muito em você nestes últimos dias. Minha luta tem sido grande nesta crise que atualmente estamos passando aqui no país.
Tenho saído todos os dias para conquistar meus direitos. Como você sabe continuo na venda de produtos que me deem uma renda e assim vou adquirindo o que sonho e desejo.
Sendo assim sou grata a Deus pelo dom que recebi de uma bela voz e conforme o meu público, recito lindas mensagens.
Nestes últimos dias tenho pensado em você, o que me levou a lhe escrever.
Gostaria de saber como você está?
E o que tem feito para sobreviver neste mundo com tantas desigualdades.
O Ezequiel já consegue contribuir com algum ganho, para o sustento de vocês?
Sei que ele está quase concluindo seus estudos e se for a vontade de vocês de retornarem ao Brasil, contem com meu amparo, inclusive podendo morar na minha residência.
Poderemos usar a nossa criatividade e desenvolver juntas um trabalho para o nosso sustento.
No aguardo da sua resposta,
                                       Grande abraço, Maria.


Genebra, 23 de Junho de 2016.
Querida Maria,

Que emoção que senti ao receber sua carta. Como é bom saber da sua amizade e carinho por mim.
Ezequiel estará concluindo seu curso no final deste ano.
Ele pensa em retornar ao Brasil e ficar mais próximo do pai, pois nunca entendeu o afastamento dele.
Eu, agora estou um pouco melhor, mas vivi tempos difíceis. Meu amor e paixão por Bentinho foi intenso e maravilhoso. Minha tristeza é grande em saber que tudo acabou por ciúmes, desconfianças e possessividade. Temos conseguido sobreviver com dignidade, mas sempre com dificuldades.
Estou agora pronta para voltar ao Brasil.
Agradeço amiga pelo carinho e aceito seu convite generoso.

                                                                           Beijos, Capitu.


ADENDO LETRAS DE MÚSICAS CITADAS


Maria Carnaval e Cinzas (trecho)
https://www.letras.mus.br/roberto-carlos/383719/

Nasceu Maria quando a folia
Perdia a noite, ganhava o dia
Foi fantasia seu enxoval
Nasceu Maria no Carnaval
E não lhe chamaram assim
Como tantas Marias de santas
Marias de flor, seria Maria
Maria somente, Maria semente
De samba e de amor
Não era noite não era dia
Só madrugada, só fantasia
Só morro e samba
Viva Maria
Quem sabe a sorte
Lhe sorriria e um dia viria
De porta-estandarte
Sambando com arte
Puxando cordões e em plena
Folia de certo estaria
Nos olhos e sonhos de mil
Foliões.


Maria, Maria. Milton Nascimento e Fernando Brandt.
Maria, Maria,
É um dom,
Uma certa magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece
Viver e amar
Como outra qualquer
Do planeta

Maria, Maria,
É o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que rí
Quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta

Mas é preciso ter força,
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca

Maria, Maria,
Mistura a dor e a alegria
Mas é preciso ter manha,
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania

De ter fé na vida...

Acalanto para Helena

Dorme minha pequena
Não vale a pena despertar
Eu vou sair
Por aí afora
Atrás da aurora
Mais serena



Noite dos Mascarados. Chico Buarque. 
https://www.letras.mus.br/chico-buarque/45153/

‒ Quem é você?
‒ Adivinha, se gosta de mim!

Hoje os dois mascarados
Procuram os seus namorados
Perguntando assim:

‒ Quem é você, diga logo...
‒ Que eu quero saber o seu jogo...
‒ Que eu quero morrer no seu bloco...
‒  Que eu quero me arder no seu fogo.

‒ Eu sou seresteiro,
Poeta e cantor.
‒ O meu tempo inteiro
Só zombo do amor.
‒ Eu tenho um pandeiro.
‒ Só quero um violão.
‒ Eu nado em dinheiro.
‒ Não tenho um tostão.
Fui porta-estandarte,
Não sei mais dançar.
‒ Eu, modéstia à parte,
Nasci pra sambar.
‒ Eu sou tão menina...
‒ Meu tempo passou...
‒ Eu sou Colombina!
‒ Eu sou Pierrô!

Mas é Carnaval!
Não me diga mais quem é você!
Amanhã tudo volta ao normal.
Deixa a festa acabar,
Deixa o barco correr.

Deixa o dia raiar, que hoje eu sou
Da maneira que você me quer.
O que você pedir eu lhe dou,
Seja você quem for,
Seja o que Deus quiser!
Seja você quem for,

Seja o que Deus quiser!

Boi voador não pode https://www.letras.mus.br/chico-buarque/85937/
Quem foi, quem foi
Que falou no boi voador
Manda prender esse boi
Seja esse boi o que for

O boi ainda dá bode
Qual é a do boi que revoa
Boi realmente não pode
Voar à toa

É fora, é fora, é fora
É fora da lei, é fora do ar
É fora, é fora, é fora
Segura esse boi
Proibido voar.

A História do Boi Voador aconteceu em 1644 é foi recordada, no final de 1973, com a publicação do livro Calabar: o elogio da traição, com a finalidade de desvelar a forma como o Brasil estava sendo administrado.
Sobre o acontecimento vide https://pt.wikipedia.org/wiki/Boi_voador
O historiador pernambucano José Antônio Gonçalves de Mello, com base na narrativa de frei Manuel Calado, observa que, no domingo, 28 de fevereiro de 1644, Maurício de Nassau concluiu uma ponte cujas obras haviam sido iniciadas há muito tempo atrás e muito dinheiro já havia sido gasto. Conforme a crônica de frei Manuel Calado, a fim de obter um maior número de pessoas pagando pedágio na ponte, no dia da sua inauguração, Nassau havia feito anunciar que um boi manso, pertencente a Melchior Álvares, iria voar. Para a festa, mandou abater e esfolar um boi, e encher-lhe a pele de erva seca, tendo posto esta encoberta no alto de uma galeria que tinha edificada no seu jardim. Pediu a Melchior Álvares emprestado um boi muito manso que aquele tinha, e o fez subir ao alto da galeria e, depois de visto pelo grande número de pessoas presentes, mandou-o fechar em um aposento, de onde tiraram o outro couro de boi cheio de palha, e o fizeram vir voando por umas cordas com um engenho, para grande admiração de todos. Tanta gente passou de uma para outra parte da ponte que, naquela tarde, rendeu mil e oitocentos florins, não pagando cada pessoa mais que duas placas à ida, e duas à vinda.


RELEITURA DE OLHA O PÃO DE MARIA (JOGRAL)

(1) Maria é uma vendedora sem carteira assinada, que se infiltra – para trabalhar – nos cantos onde as pessoas se aglomeram para se divertir ou mesmo para fazer suas compras diárias da mão de vendedores legalmente instituídos.
(2) Para Maria todo dia é dia de trabalho, porque todo dia é dia de viver.
(3) Maria vende miudezas comestíveis ou não. Quem define são os transeuntes dos locais mais propícios às vendas de Maria. Independente do que fale depois, Maria inicia assim sua fala a quem passa, em frente à escola:
(4) – Olha o pão de Maria! Compra caneta, mochila, boneca, refrigerante em lata, caneca de tomar água, bolacha, revista pra criança! Para aqui com seu guri! Compra e ajuda no ganha-pão de Maria!
(1) Às vezes Maria recita para chamar a freguesia. Certa vez tive o privilégio de ouvi-la contar a história da própria vida. Era algo meio narrado e meio cantado, porque o falar de Maria intercalava suas frases com letras de músicas de autores famosos. A seguir deixo a própria Maria contar para os leitores tudo o que ouvi naquele dia.
(4) – O pão de Maria começa com o nascimento do trigo e de Maria.
(5) – Eu era somente pequena semente, guardada no ventre da mamãe. Fui crescendo na barriga...
(2) – No dia em que eu vim pra esse mundo, minha mãe chorava em ai “e meu pai rezava em ui”.
(4) – “Ave Maria, gratia plena,” ai, “benedictus frutus ventris tui”. Ui! “Santa Maria, ora pro nobis!”
(5) – E enquanto minha mãe chorava de dor e meu pai rezava de medo, o espaço em que eu estava, ficava cada vez mais estreito. Então quando ficou apertado, galguei luz. Nasci!
(Todas) – “Nasci Maria, quando a folia, perdia a noite, ganhava o dia. Foi fantasia meu enxoval, nasci Maria, no Carnaval. E não me chamaram assim como tantas, Marias de santas, Marias de Flor, seria Maria, Maria somente, Maria semente de samba e de amor. Não era noite não era dia, só madrugada, só fantasia. Quem sabe a sorte me sorriria e um dia viria de porta estandarte, dançando com arte, puxando cordão. E em plena folia de certo estaria, nos olhos e sonhos de mil foliões.”
(3) Na realidade, fiquei somente sob os “olhos e sonhos” de dois foliões que foram meu pai e minha mãe, na mocidade. E que, com alegria, me embalavam, cantando...
(Todos) – “Dorme minha pequena, não vale a pena despertar. Eu vou sair por aí afora, atrás da aurora mais serena. Dorme, minha pequena! Não vale a pena despertar.”
(3) Eu era esperta e para comemorar minha mãe cantava assim:
(4) – Upa Maria “na estrada, upa pra lá e pra cá! Vige que coisa mais linda, upa”, Maria, “começando a andar, começando a andar...”.
(3) E minha mãe acrescentava, olhando pra mim:
(6) – E já começa a fugir pra não apanhar!
(3) E o pai retrucava, dirigindo-se a mim:
(1) – Eu te falei pra não morder o cachorro.
(2) Fui crescendo, junto com a cidadezinha em que morava. Eu era criança peralta e isso preocupava minha mãe que assim cantava:
(Todas) – Menina “desce daí, senão você vai cair”.
(4) Por ser franzina, minhas roupas eram feitas pela minha mãe com pouco pano. Ao terminar a confecção de uma roupa nova ela mostrava-a para mim e cantava:
(Todas) –“Menina bacana, lá da Martinica, se veste com uma casca de banana nanica.”.
(2) Quando já era adolescente queria ir aos bailes de Carnaval, mas o pai me proibia. Eu ficava no quarto e imaginava que estava na festa e um moço chegava pra mim e dizia:
(6) – “Quem é você? Diga logo, que eu quero saber o seu jogo.”.
(3) E eu respondia:
(Lourdes G) – Sou porta-estandarte, não há mais pra contar. “Eu, modéstia à parte, nasci para sambar”.
(3) E meu príncipe encantado respondia:
(4) – “Mas é Carnaval, não me diga mais quem é você. Amanhã tudo volta ao normal. Deixa a festa acabar, Deixa o barco correr. Deixa o dia raiar, que hoje eu sou da maneira que você me quer”!
(3) E eu, por minha vez respondia:
(5) – “Seja você quem for. Seja o que Deus quiser. Seja você quem for. Seja o que Deus quiser.”.
(1) – Deus vai querer porque “não existe pecado do lado de baixo do Equador... Quando é missão de esculacho, olha aí, sai de baixo, sou embaixador!”
(4) Mas daí, eu ficava muito inibida e dizia:
(3) – “Quem foi, quem foi? Falou no Boi voador? Manda prender esse boi, seja esse boi o que for. O boi ainda dá bode. Qual é a do boi que revoa? Boi realmente não pode voar à toa. É fora, é fora. É fora da lei, é fora do ar. É fora, é fora. Segura esse boi, é proibido voar!”.
(2) Já adulta percebi que o que valia a pena no Carnaval era clamar por:
(todas) – “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós... E que a voz da igualdade seja sempre a nossa voz.”.
(1) Essa foi a história que ouvi do meu povo pela boca de Maria, ao passar pela rua, certo dia. A partir de então, batalho sempre para que a liberdade seja sempre a nossa...
(Todas) “sinfonia de pardais, anunciando o alvorecer”.
(3) “E de corpo inteiro, no fim do dia, rezo uma prece”: 
(Todas) Somos barqueiros do mesmo rio e cada qual serve a sua margem.
(4) Somos barqueiros do mesmo rio e às vezes nos encontramos olho a olho, remada a remada, em sintonia, cada qual seguindo seu próprio caminho.
(5) Barqueiros do mesmo rio, seguimos diferentes como a margem direita e a esquerda, o caminho de ida e o de volta.
(Todas) Barqueiros do mesmo rio, seguimos iguais na premência do servir, iguais como as margens do mesmo rio, iguais porque a alma do rio nos possui e porque possuímos a alma do rio.
(1) Essa foi a prece pela paz: o verdadeiro pão de Maria.




Foto SEMAS. Diléia P. B. Fontana

No auditório Antonieta de Barros, na Assembleia Legislativa de SC, na Primeira Tarde Lítero Cultural - para grupos de idosos - da Prefeitura Municipal de Florianópolis, em 28/4/2014, alunos da Oficina de Criação Literária do NETI  e a professora Edna apresentaram releitura em forma de jogral do texto 'Olha o Pão de Maria' que faz parte do livro A Volta do Contador de Histórias, de autoria de Edna Domenica Merola. 

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Pró Diálogos Sóbrios, ainda que Metafóricos. Edna Domenica Merola.







REFERÊNCIAS

BANDEIRA, Manuel. Pneumotórax, In Estrela da Vida Inteira.

MEROLA, Edna Domenica. Somos barqueiros do mesmo rio. In Aquecendo a Produção na Sala de Aula. Nativa, 2001, p. 24.



Pneumotórax
               Manuel Bandeira                 


Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.

- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.