quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Oficinas, Pesquisa/Ação, Diálogos da Maturidade. Edna Domenica Merola.


Indagações sobre os “recursos imprescindíveis para o desbloqueio da expressão escrita e retreino do papel de escritor”. (MEROLA, 1984, p 30) eis a tônica dos trabalhos práticos e teóricos realizados por esta autora, ao longo de quatro décadas. 
No segundo semestre de 2015, ao ministrar oficinas para participantes maiores de 50 anos, deu-se prosseguimento a essa pesquisa/ação.
“Uma oficina tem por foco a reflexão sobre a própria prática educativa do participante, o que pressupõe que ele esteja desempenhando o papel em pauta e se disponha a realizar as propostas apresentadas pela ministrante e compartilhar com colegas os seus resultados.” (MEROLA, 2015, f 36).
A Oficina de Criação Literária “é o espaço onde são oferecidas atividades práticas de criação pela palavra escrita, proporcionando novos conhecimentos e vivências.” (MEROLA, 2014, p 49). Fundamentada em pesquisas do Psicodrama, suas ações pedagógicas têm por meta aprimorar e favorecer o desempenho cognitivo, sócio-afetivo e sócio-existencial de pessoas maduras e idosas. Tem por objetivos desenvolver o papel social de escritor por meio de sua complementação com o papel de leitor. Suas estratégias são criadas para que alunos treinem a habilidade de estabelecer vínculos, estreitem a relação com a própria interioridade, e conheçam dados culturais novos.
No semestre 2015.2, as Oficinas de Criação Literária realizadas no Núcleo de Estudos da Terceira Idade (NETI, UFSC) tiveram por foco a escrita de cartas literárias. “A carta é um texto escrito no qual alguém transmite uma informação a um destinatário ou leitor, que interpreta o sentido e assume determinada atitude diante da informação recebida.” (MORAES; 2008, p. 156.). Nesse gênero, há uma tônica de premência da comunicação entre emissor e destinatário, o que aponta para a cumplicidade, imprimindo ao discurso certo teor de exposição e de proximidade.
A escrita de uma carta envolve o uso de elementos que a aproximam do conto e da crônica. O emissor é o narrador personagem, mas poderá introduzir outros, transferindo-lhes o protagonismo. O destinatário da carta literária é um complementar do narrador ou substituto do leitor no próprio texto. No conto, é facultado usar a referência ao leitor como um “artifício retórico, uma forma de controlar e complicar as respostas do leitor real, que permanece fora do texto.” (LODGE, p. 90). No início do texto epistolar há uma descrição espaço-temporal sucinta que comparece na data e local apontado; esse elemento descritivo aproxima a carta literária da crônica.
Nas oficinas ministradas, o ensino do gênero epistolar teve por fundamentação a Socionomia: fruto da pesquisa e criação de Jacob Lévi Moreno, para quem – corpo, psique e sociedade são partes intermediárias do eu total. O eu é um constructo aberto ‒ em constante construção dialógica ‒ que abrange os papéis psicossomáticos, psicodramáticos e sociais.
Nas oficinas, a ação pedagógica reporta-se ao jogo dos papéis sociais que envolvem a escrita. E também aos papéis psicodramáticos ‒ relativos às dimensões psicológicas, em especial, à imaginação. A complementação de papéis tem por foco o diálogo ou as possíveis interações entre o papel social de escritor e o papel complementar de leitor (e vice-versa). E tem por meta o desenvolvimento do vínculo entre aqueles papéis cuja complementação é ilustrada como segue (MEROLA, 2015, f 41).

A primeira unidade didática das Oficinas Literárias 2015.2 referiu à escrita de cartas de apresentação ao grupo.
Na segunda unidade, a proposta colocada foi a de escrever uma carta cujo emissor se localizasse no tempo passado (menino/menina) e que fosse endereçada ao próprio destinatário no tempo presente (senhor/senhora). O desenho de um Átomo Social foi aplicado como técnica de aquecimento para essa tarefa. 

Segundo Moreno (1975), o Átomo Social é o conjunto de papéis que uma pessoa desempenha num dado momento de sua existência, incluindo os complementares desses papéis.
No átomo social referente à infância houve menções a seres tais como Papai Noel, Menino Jesus como exemplos de complementares de papéis psicodramáticos que são interligados às capacidades de imaginar e de acreditar.
Na terceira unidade ‒ Comentários ao Túnel do Tempo ‒ agregou-se o gênero dissertativo ao epistolar, ressaltando-se aspectos cronológicos.
A unidade Cartas sobre Leituras incluiu o livro Iracema (ALENCAR, 2008). A jandaia e o cão rafeiro alencarianos foram transformados em emissor e destinatário, agregando a fábula ao gênero epistolar.
Na unidade Cartas Psicodramáticas, trabalhou-se a conexão entre a leitura da realidade externa e da introjetada, a exemplo de: Querida Irmã, Marina Prosdócimo (In Memorian), da catarinense Marli Barcelos.
A unidade sobre: elementos da estrutura narrativa, criação de personagens e narrador ilustra-se com Carta a um Arquivo – do gaúcho Adroaldo José Fontes da Silveira, testemunho do desvelar de um contista.
No papel de professora, continuou-se o projeto de pesquisa/ação sobre como incentivar a criatividade na escrita. Nos papéis de aluna e pesquisadora, teve-se o N.E.T.I. por lócus privilegiado para aplicar conhecimentos advindos do Curso de Especialização em Atenção à Saúde da Pessoa Idosa, concluído no primeiro semestre de 2015.
Como escritora, teve-se o privilégio do diálogo sobre História de Amor, História de Sala de Espera, Conto em “Pas de Deux”, (MEROLA, 2011, p 37-41, 57-59,77-80). Esta voz paulistana agradece pela oportunidade florianopolitana desta empreita que congrega outras vozes amadurecidas em diferentes estados brasileiros.

Edna Domenica Merola.
Bacharel em Letras, Pedagogia e Psicologia.
Especialista em Atenção à Saúde da Pessoa Idosa.
Mestre em Educação, Administração e Comunicação.

REFERÊNCIAS

ALENCAR, José de. Iracema. http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/
DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=1844

LODGE, David. A Arte da Ficção. Trad. Bras. Porto Alegre: L& PM Pocket, 2011.

MEROLA, Edna Domenica. Pedagogia do Psicodrama: a ação do grupo no desenvolvimento de papéis da pessoa idosa. Monografia de conclusão do Curso de Especialização em Atenção à Saúde da Pessoa Idosa. Orientadora: Maria Celina da Silva Crema. UFSC, CCS, N.E.T.I., 2015, 46 f.
____________ De que são feitas as Histórias. Florianópolis: Postmix, 2014.
____________ A Volta do Contador de Histórias. Blumenau: Nova Letra, 2011.
____________ Aquecendo a Produção na Sala de Aula. São Paulo: Nativa, 2001.
____________ Desbloqueio da expressão e técnicas de redação através do jogo dramático. Anais do IV Congresso Brasileiro de Psicodrama. Revista Brasileira de Psicodrama, São Paulo, v. 1, n.4, p. 20-30, 1984.

MORAES, A. M. de; [et al.]. Enciclopédia do estudante: redação e comunicação: técnicas de pesquisas, expressão oral e escrita. São Paulo: Moderna, 2008 – Vol. 8.

MORENO, J.L. Psicodrama. 2 ed, São Paulo: Cultrix, 1978.


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