quarta-feira, 8 de março de 2017

Bandeira branca, amor! ‒ uma leitura no dia internacional da mulher. Edna Domenica Merola

Hoje, dia comemorativo do Dia Internacional da Mulher, li um texto, numa conceituada revista eletrônica educacional, algo sobre a história do Dia da Mulher.
O texto relata os protestos ocorridos desde o final do século XIX, na Europa e nos Estados Unidos: manifestações que partiram de organizações femininas operárias. A autora cita greves que reivindicaram o fim das jornadas de trabalho de 15 horas diárias, os salários aviltantes e o trabalho infantil. 
Avaliei que qualquer semelhança com o cenário atual brasileiro não era mera coincidência, e apreciei ainda mais o teor do texto lido. Mas, em seguida, confesso que cometi o pecado de cobiçar a leitura do outro: li o que os leitores internautas escreveram. Tentarei expurgar essa leitura e me redimir de tal ato com a penitência de escrever sobre as falas dos leitores do texto, ao invés de reter apenas a voz original da autora.
Ao iniciar a leitura dos comentários do texto, imaginei que o primeiro comentário fosse de um senhor bem humorado: 
‒ Eu amo as mulheres (fêmeas) porque nasci de uma mulher, casei com uma mulher, tenho duas filhas mulheres, uma neta mulher e até duas cachorras fêmeas. 
Por gostar de pessoas bem humoradas, li os demais. Ao invés de comentar o texto, a terceira comentarista comentou o primeiro comentário: 
‒ Adorei o destaque (fêmea). 
Ao que a quinta comentarista retrucou: 
‒ O "destaque" é porque as mulheres ainda hoje não têm os mesmos direitos dos homens em praticamente nenhum país do mundo. Em nosso país, morre uma mulher a cada duas horas, assassinada por pais, irmãos, maridos, namorados que se acham donos de seu corpo e sua vida. 
E a sexta retrucou: 
‒ Nota-se que você sequer se deu ao trabalho de ler o texto.
A segunda comentarista já aproveitara para pregar
‒ Nós mulheres somos especiais porque fomos feitas por alguém especial: Deus. E o que Ele faz, ninguém desfaz.
O quarto comentarista tentara resgatar o foco, quer seja, o tema abordado pela autora que escreveu para a conceituada revista digital: 
‒ As mulheres têm uma importância fundamental na sociedade, tanto na conscientização quanto na participação ativa nas mudanças que devem criar um mundo novo, mais justo, inclusivo, democrático e igualitário.
Mas o clima de discussão já se instalara, quando um homem dirigindo-se a alguém provavelmente abalizada, mas que não era a autora do texto, escreveu: 
‒ Fulana, o mundo sempre foi machista. O próprio Aristóteles disse no seu livro A Política que os homens eram mais propícios a mandarem do que as mulheres. Você concorda? Então tem que ter luta para quebrar paradigmas.
O desaso começou a “rolar solto”, quando a próxima se pronunciou:
 Esta mulher que tem ideia contra nós, não é mulher. Vai estudar para saber sobre a história das mulheres, ler para aprender! Nós que temos jornada dupla é que somos guerreiras... Você não sabe o que é isso? Com certeza nunca foi humilhada por homens machistas, nem sofreu abuso ...
Ao que a outra retrucou: 
‒ Guerreira, você? Não sabe nem o significado dessa palavra!
Aí outra intercedeu pela “guerreira” mais fraca, em tom religioso ecumênico, e passou uma descompostura na opositora daquela: 
‒ Indico pra você um pouco mais de compaixão e noção do mundo onde vive. Enche a boca pra meter ferro na escrita da moça, mas por acaso está oferecendo ajuda a quem não sabe escrever? Se sim, desculpe. Se não, se retrate e pare de agir como uma arrogante vomitando indelicadezas pelas redes. 
E a última comentarista justiceira passou outra raspança:
‒ O seu comentário não acrescentou em nada! Acho que poderia ter sido construtivo se soubesse usar suas palavras.
E o gongo deve ter batido, pois aquelas vozes se calaram ou foram navegar noutras águas igualmente turbulentas...
Terminada a leitura do primeiro round, concluí com tristeza que as pessoas conseguiram transformar um espaço de comentários num rinque de luta livre. 
Destaco ainda dois comentários masculinos, o primeiro de caráter romântico:
‒ O mundo sem mulheres é um jardim sem rosas, uma rosa sem perfume. Viva as mulheres...
E o segundo é de teor histórico-político: 
‒ Muitas fontes distorcem as informações sobre essa data, tentando desvincular esse movimento das ideias socialistas e transformando a data em um movimento de caráter romântico.
Considerando os comentaristas masculinos, verifico duas posturas masculinas perante as falas femininas: uma que apela para o emocionalismo ou sedução ao falar com ou sobre a mulher e outra para o racionalismo aplicado à análise histórica. 
O romântico fala para a mulher, mas usa estereótipos. O segundo, carregado de verdade científica, parece se dirigir a outros homens (os românticos), já que concorda com a autora do texto, mas não a menciona em sua "fala".
  
Ainda assim, essa madura e saudosa voz feminina que aqui escreve arrisca-se a lembrar dos velhos tempos em que havia diálogo dentro de grupos. Havia discussões com tese e antítese. Havia profundidade nos argumentos que abrangiam segmentos sociais, via de regra, e não apenas imagens liquefeitas sobre as pessoas. Havia o hábito de conversar face a face, olhar nos olhos e chamar pelo primeiro nome.
Hoje, ao tomar por medida os comentaristas citados, concluo que não se leva o contexto social em consideração. Pelo contrário, parece que cada qual se detém a olhar apenas para o próprio umbigo.
Antes eram tempos em que as letras das músicas populares tinham por mote as classes oprimidas e denunciavam as injustiças sociais. Tempos de diálogos tão mais justos, coesos e éticos do que as discussões sem pé nem cabeça de internautas incautos.
Quero ainda cantar: 
‒ "Somos todos iguais, braços dados ou não". 
E levanto uma bandeira branca "pela saudade que me invade" e "peço paz!". 


Pós scriptum

Após concluir a postagem enviei para algumas pessoas conhecidas lerem. 
Uma delas escreveu o que segue: 
"Bem profundo o texto Bandeira branca, amor! - uma leitura no dia internacional da mulher... Infelizmente ainda não dá para levantar bandeira branca, precisamos lutar para conseguirmos o nosso espaço. Seja aonde for. Nós mães somos responsáveis pela criação dos nossos filhos em relação a ter direitos iguais e não ter machismo. Quando tive o meu primeiro filho, os meninos eram diferenciados: só podiam usar roupa de cor azul, e as meninas cor de rosa.  Na ocasião, o homem podia tudo e a mulher nada. Agora as mulheres estão conseguindo o seu espaço. É demorado e ainda falta muito a conquistar em matéria de espaço, seja aonde for. Em casa, na rua ou no trabalho, as mulheres precisam ser mais respeitadas. Ainda há muita discriminação." (NOBRE, Marlene Xavier).

Respondi-lhe que não me referira a levantar a bandeira branca como trégua às lutas femininas e sim a acabar com a falta de urbanidade nas discussões pela internet. É triste ver nas conversas entre pessoas que não se conhecem, como já se odeiam antes de terem sido apresentadas. 
Agradeci-lhe por ter feito sua colocação que suscitou minha resposta... O que poderá levantar outras indagações... Que também serão bem-vindas.

Depois do bilhete da Marlene, recebi o seguinte da Amaridis:


Bom dia amiga Edna,

Como sou da geração do século passado, basta-me dizer o seguinte: sinto estranha diferença entre valores. A educação sempre foi a alma das famílias... Havia uma cartilha que dizia: sua liberdade termina onde começa  a  do outro. Em resumo, havia uma palavra que hoje está em desuso: limites. Havia respeito, o que hoje falta. Havia diálogo, o que hoje não existe.
A sociedade (elite) cresceu e enriqueceu descaradamente... E o povo se estranha a facadas e massacres (lemos em jornais).
A tecnologia mexeu em tudo. Falta humildade em geral. Falta diálogo, somos podados quando queremos ajudar... Sinto que tudo irá piorar... Acabou-se o tempo das gentilezas, dos encontros de famílias... Como? Acabaram-se os termos família e encontros.
Até acho engraçado... Pessoas sorriem para o celular e não se vêem mais aqueles sorrisos, nem se experimenta mais o olho no olho...
Os gêneros querem se enfrentar e cada um ter mais poder que o outro. A luta pelo poder é a maior causa dos desentendimentos. Ouvi de uma pessoa bem esclarecida:
‒ Por que vou ter que abraçar pelo dia das Mulheres?... Se não existe o dia dos Homens?
Acho que o desentendimento será cada vez maior e a falta de respeito entre as pessoas não mudará jamais. Mas devemos  crer que esta fase estará chegando ao fim! E, se eu ainda estiver por aqui, cantarei bem feliz:
‒ Bandeira branca, amor, não quero mais ver a saudade que me invade! Eu peço paz! HU HU HUUU...
Mas só "se a canoa não virar... Olé olé olá/eu chego lá...


Abraço da Amaridis de Souza Melo (AMA).