quarta-feira, 5 de março de 2014

Fechando o Verão e Abrindo o ano Letivo. Edna Domenica Merola


Faz um ano, foi numa terça-feira, em 05 de março de 2013, que escrevi nesse mesmo blog:
A efeméride que merece ser comemorada e até ser objeto de tarefa para inocentes criancinhas somos nós: gente de todas as idades, gente plena de pluralidade. Gente que cultiva a esperança de que "amanhã será outro dia...”

À essa afirmação pró humanismo, no âmbito pedagógico, acrescento hoje que somos seres naturais e, portanto, de natureza cíclica. Defendo, portanto, uma prática pedagógica que exercite a  percepção com alteridade. A exemplo da audição dos ruídos da estação do ano ou de uma letra de música que a ela nos remeta tal como: Águas de Março. Tom Jobim. 

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol


É peroba do campo, é o nó da madeira
Caingá, candeia, é o Matita Pereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira

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São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração.

Vivendo o final do verão, e pensando na rima entre madeira e pereira – nos versos 1 e 2 da segunda estrofe de Águas de Março – imagino uma cena em que um lavrador, ao chover, reflete sobre a vida, olhando o nó da madeira, e extrai da imaginação uma história de 'causar' medo ou tira da memória a narração de uma lenda como:

MATINTA PEREIRA

Bem no meio da noite, um assobio agudo tira o sono de todos e assusta as crianças! Os mais velhos sabem do que se trata: é Matinta Pereira que veio pedir fumo. Se o dono da casa demora a acordar, alguém deverá chamá-lo urgente! Ele deverá prometer tabaco, logo que ouvir o assobio, e dizer:
– Matinta, pode passar amanhã aqui para pegar seu fumo.
No dia seguinte, uma mulher idosa que veste uma roupa escura e velha aparece na residência onde a promessa foi feita, a fim de apanhar o fumo. Anda sempre com um pássaro agourento: o ‘rasga-mortalha’. Ela é uma pessoa do lugar que carrega a maldição de 'virar' Matinta Perera: à noite transforma-se no ser que assombra e amedronta as pessoas.
Matinta, quando está para morrer, pergunta:" Quem quer? Quem quer?"  Alguma mulher responde "eu quero", pensando que ganhará alguma joia... Mas recebe por herança a sina de ‘virar’ Matinta Perera. 

Imagino outra cena semelhante em que o lavrador e narrador está noutro extremo do país e lembra: O saci (lenda do sul brasileiro). Saci-pererê, também conhecido como matimpererê ou matita perê é um personagem folclórico similar à Matinta Pereira. Teve sua origem presumida entre os indígenas da Região das Missões, no Sul do país, de onde teria se espalhado por todo o território brasileiro.
Em 1917, Monteiro Lobato propôs aos leitores do "Estadinho", suplemento do jornal O Estado de São Paulo, do qual era colaborador, que enviassem cartas contando tudo o que soubessem ou tivessem ouvido falar sobre o mito do Saci-Pererê. Especificamente, pedia respostas a três perguntas:
1. Qual a concepção pessoal do leitor sobre o Saci; como o recebeu na sua infância; de quem recebeu; que papel representou tal crendice na sua vida, etc.
2. Qual a forma que a crendice assumira na região do país em que o leitor vivia.
3. Que histórias e casos interessantes o leitor conhecia a respeito do Saci.
O inquérito recebeu dezenas de respostas, que apresentaram tons variados. Muitas traduziam uma nostalgia da infância passada em fazendas do interior de São Paulo e Minas Gerais, outras atribuíam a crença no Saci ao pensamento exclusivo da população rural.
Pesquisas semelhantes à de Lobato são atividades adequadas para o início do ano letivo. Assim como a pesquisa sobre as áreas de riscos de deslizamentos causados por chuvas, as instalações de para-raios nas escolas públicas, etc.

Pensar as conexões entre redes que podem ser consideradas distintas, tais como ...– sonho e realidade; mundo subjetivo e mundo objetivo; brincareira e conhecimento – ...  deveria interessar a nós educadores, visto que consideramos ser possível ... enriquecer o trabalho cotidiano da sala de aula.                                                                                                                                                                    (SOUZA.2009. P 137).

                                            
Medos reais contemporâneos ou medos ancestrais sob o viés da ficção são importantes na prática pedagógica voltada para o ‘mistério profundo’ da ‘promessa de vida no teu coração’.


Referências

LOBATO, Monteiro. Mitologia Brasílica – Inquérito sobre o Saci-Pererê. Jornal o Estado de São Paulo. 1917.


SOUZA, Anervina. As Lendas Amazônicas em Sala de Aula. Manaus: Editora Valer, 2009.

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