quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Ensino domiciliar e dignidade humana. Edna Domenica Merola

Tem-se falado muito sobre o homeschooling ou ensino domiciliar inspirado no fundamentalismo religioso americano e que restringe a educação ao contexto familiar, excluindo as demais contribuições sociais que auxiliam na construção de uma vida existencialmente digna. 
O confinamento  da criança ao âmbito doméstico aumenta sua vulnerabilidade, a expõe a maior risco de abusos e violência, abaixa a autoestima, priva da alegria da brincadeira, da expressão artística, dos jogos esportivos e dos jogos didáticos. O isolamento causado pelo ensino domiciliar provoca a depressão e aumenta o risco de suicídios. Tal isolamento encobre pistas de eventos que descobertos tardiamente tornam-se mais graves (autismo, por exemplo).
Ensinar não é tarefa para máquinas nem para fanáticos religiosos. Ensinar demanda formação específica relativa não só a conteúdos programáticos, mas também às relações interpessoais necessárias para o desenvolvimento infantil. Toda metodologia adotada tem seus fundamentos. Chamo a minha metodologia de lúdica porque uso o jogo didático ou a minha interpretação do psicodrama sob um enfoque histórico-cultural. 
J. L. Moreno (1899- 1974)

Moreno (criador do Psicodrama) identificou três fases no desenvolvimento de um papel: a primeira que é a tomada de um papel; a segunda que é a fase em que se joga o papel e a terceira que ocorre quando se cria sobre o papel. Quanto mais desenvolvido for o papel, maior será a espontaneidade que ele apresenta, ou seja, maior a capacidade de dar respostas novas a situações novas ou respostas adequadas a situações velhas. 
O fator espontaneidade é passível de desenvolvimento na interação com os colegas de aprendizagem, dadas as circunstâncias estabelecidas pelos contextos, instrumentos e etapas do jogo dramático que configuram a atividade como vivência de teor ético e estético. 
O jogo ou desempenho de papéis depende naturalmente de interações potenciais de um grupo. 
O ensino domiciliar priva as crianças e adolescentes de relações entre os pares e provoca o isolamento que ocorre de diferentes formas
Irvin D. Yalom
I. Yalon. Washington, 1931

"O isolamento interpessoal refere-se ao abismo entre o sujeito e os outros. É vivenciado como solidão e pode ser melhorado por uma capacidade maior de criar e manter a intimidade com terceiros.” (YALOM, 2009, p. 37‒38).
Mais grave do que a solidão é o isolamento existencial: “refere-se a um abismo intransponível não apenas entre o eu e qualquer outro ser, mas também entre o eu e o mundo.” (YALOM, 2009, p. 38). 
Uma das evidências do isolamento existencial seria a baixa frequência de comportamentos criativos. Portanto, é tarefa da escola tratar o isolamento porque isso significa cuidar da criatividade.
Moreno (1978) considera que o ato criador está no processo da criação artística ou científica e não em seu produto que passa a ser conserva-cultural. Com o desenvolvimento da tecnologia, os cidadãos comuns substituíram "a onipresença no espaço pelo poder no espaço", e a onipresença temporal pelo poder no tempo, decorrente de "tudo aquilo que pertence à cultura e cuja repetição é desprovida de espontaneidade". No entanto, "a conserva-cultural só é de ajuda quando o indivíduo vive num mundo relativamente estável". O fortalecimento das possibilidades pessoais conta com o exercício da "espontaneidade".
As respostas existenciais espontâneas facultam que o aprendiz jogue ou represente papéis psicodramáticos (ou de "faz de conta") para desenvolver os papéis sociais e ampliar os papéis existenciais. Isso não se faz com fundamentalismo e sim com ações oriundas do pensamento científico.
Isso posto, concluo que o ensino domiciliar atenta contra a dignidade humana e que a educação pública e gratuita deve ser  interativa. Acrescento que os investimentos em educação incluem o aprimoramento de todos os educadores e o incremento de projetos inovadores. Inovar não é copiar dos estadunidenses e sim criar tendo por foco a realidade nacional brasileira. Para mim "criança educada é criança na escola 100% presencial e interativa". (Talquei?)!


REFERÊNCIAS

MEROLA, Edna Domenica. Cartas em Posfácio. In Diálogos da Maturidade. Postmix, 2016.
_____________________ Acabar com a escola de qualidade não é poético. Disponível em https://aquecendoaescrita.blogspot.com/2017/11/acabar-com-escola-de-qualidade-para.html

MORENO, J.L. Psicodrama. 2 ed, São Paulo: Cultrix, 1978.

YALOM, I. D. Vou Chamar a Polícia: e outras histórias de terapia e literatura. Rio de Janeiro: Agir, 2009.