Camões
e Bocage foram perseguidos pela Inquisição Portuguesa que vigorou de 1536 a
1821, em Portugal e suas colônias.
As
sanções sofridas deveram-se, provavelmente, a serem os poetas pessoas além de
seu tempo.
Será
que a perseguição sofrida deveu-se também ao que escreveram sobre o Amor?
Para
que possa responder a essa questão, leia ou releia os poemas:
Amor é fogo que
arde sem se ver,
de Camões (que viveu no século XVI) e A
frouxidão no amor é uma ofensa, de Bocage (que viveu no século XVIII).
Soneto. Camões
É
ferida que dói e não se sente;
É
um contentamento descontente;
É
dor que desatina sem doer;
É
um não querer mais que bem querer;
É
solitário andar por entre a gente;
É
nunca contentar-se de contente;
É
cuidar que se ganha em se perder;
É
querer estar preso por vontade;
É
servir a quem vence, o vencedor;
É
ter com quem nos mata lealdade.
Mas
como causar pode seu favor
Nos
corações humanos amizade,
se
tão contrário a si é o mesmo Amor?
No
soneto Amor é fogo que arde sem se ver,
Camões conceitua o amor por uma série de antíteses para concluir por um
paradoxo em que o amor é igual ao contrário de si mesmo, ou seja, o amor é a
união de opostos.
A
frouxidão no amor é uma ofensa,
Ofensa
que se eleva a grau supremo;
Paixão
requer paixão; fervor, e extremo;
Com
extremo e fervor se recompensa.
Vê
qual sou, vê qual és, vê que diferença!
Eu
descoro, eu praguejo, eu ardo, eu gemo;
Eu
choro, eu desespero, eu clamo, eu tremo;
Em
sombras a razão se me condensa.
Tu
só tens gratidão, só tens brandura,
E
antes que um coração pouco amoroso
Quisera
ver-te uma alma ingrata e dura.
Talvez
me enfadaria aspecto iroso;
Mas
de teu peito a lânguida ternura
Tem-me
cativo, e não me faz ditoso.
Esse
poema de Bocage tem 14 versos decassílabos.
As
rimas: A,B,B,A/ A,B,BA/C,D,C/D,C,D.
A
concepção do amor, no soneto A Frouxidão no Amor é uma Ofensa já vem em seu
primeiro verso e é explicado no último: “Tem-me cativo, e não me faz ditoso”.
Ao passo que o ‘eu-lírico’ arde de paixão, a sua musa é terna, branda e grata,
mas está longe de expressar uma paixão ardente.
O
‘eu-lírico’ apregoa um amor que se mede por ações: perder as cores, praguejar,
arder, gemer, chorar, desesperar, clamar, tremer. Essas ações remetem à
concepção da arte dionisíaca que é de certa forma relacionada à exacerbação da
parte motora.
Dionísio / Baco |
A
arte dionisíaca é deformante da realidade. Remete ao que é ritualizado. A
expressão exacerbada no ritual amoroso representaria, assim, um mecanismo de
subversão do equilíbrio, mas com retorno à sua continuidade, ou seja, à
felicidade. Ao passo que o equilíbrio e o controle extremos impediriam a
libertação e a felicidade.
Ao
tomarmos as descrições das diferenças entre a concepção do amor do 'eu-lírico'
e a concepção do amor que ele projeta na 'amada' (ou interlocutora), a leitura
do poema ganha um valor de reflexão sobre a CONDIÇÃO DE IGUALDADE dos parceiros
não só no amor, assim como na concretização da poesia. Afinal, a crítica ( a
censura quer da Inquisição, dos governos ditatoriais, ou dos críticos
ferrenhos) pode provocar essa forçosa 'brandura' que mantém os poetas 'cativos'
(até que a alma 'romântica os liberte!).
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