A obra O Romance de Amadis foi indicada para leitura como parte dos estudos da disciplina Literatura Portuguesa (ministrada pelo professor Jair Zandoná, CCE - UFSC, 2015.1). Foi escrita por Afonso Lopes Vieira, no verão de 1922, em São Pedro de Moel (cidade da Marinha Grande, distrito de Leiria).
Afonso Lopes Vieira (1878-1946), natural de Leiria, bacharelou-se em Direito, pela Universidade de Coimbra, em 1900. Foi pesquisador da Renascença Portuguesa e do Neogarrettismo (Almeida Garrett). Politicamente foi integralista: colocando-se contra o colonialismo português.
Em Éclogas de Agora assim se coloca o poeta:
Que o Pastor que chamamos
assim como eles seja:
que respeite sem quebra
as nossas liberdades,
lembrando-se do verso que falando
Da Lusitana antiga liberdade
nos dá tamanha honra;
que toda a usura açaime
e o trabalho defenda;
que ame a lavoura, donde
um povo inteiro vive;
que não chame às províncias
do Além-mar colônias,
o que já é perdê-las; (LOPES VIEIRA, 1935).
assim como eles seja:
que respeite sem quebra
as nossas liberdades,
lembrando-se do verso que falando
Da Lusitana antiga liberdade
nos dá tamanha honra;
que toda a usura açaime
e o trabalho defenda;
que ame a lavoura, donde
um povo inteiro vive;
que não chame às províncias
do Além-mar colônias,
o que já é perdê-las; (LOPES VIEIRA, 1935).
Afonso Lopes Vieira participou de várias revistas a
ex. de Lusitânia: revista de estudos portugueses (1924-1927), dirigida por Carolina Michaëllis de
Vasconcelos – também autora do prefácio do Romance
de Amadis, publicado, em 1923.
Amadis de Gaula é um dos primeiros romances de fantasia épica ou romance de cavalaria.
Decorre de narrativas levadas pelos “troveiros” anglo-franceses à corte de D.
Dinis em sua mocidade ("aclamado" em 1279, Lisboa). Sua criação original é
atribuída pelos estudiosos portugueses a Vasco de Lobeira.
Afonso
Lopes Vieira escreveu a quarta redação da “narração das proezas e aventuras do
primeiro e modelar cavaleiro andante das nações peninsulares”, reconduzindo-a
“à sua forma primitiva, verdadeiramente portuguesa”. (MICHAËLLIS DE
VASCONCELOS, 1923).
Afonso
Lopes Vieira parte da tradição literária medieval conservando as
características dos personagens tais como rei Artur e os cavaleiros da Távola
Redonda. Tece a narrativa de aventura voltada para a exploração e a conquista
cujas características são episódicas, ou seja, um novo conflito acontece a cada
momento. Mostra um herói que luta por ideais nobres: suas atitudes e ações são
corajosas ou altruístas.
A
alma portuguesa é retratada em Amadis: “casto", “leal”, “bem amador” e o
“ser português pelo lirismo tão bem revelado na combinação preciosa entre a
alma suave e a valentia heroica.” (MICHAËLLIS DE VASCONCELOS, 1923. P XXXIV).
Entre “audácia e heroicidade a toda prova, em perigos e guerras, e, na paz, de
mesura discreta, suave melancolia e sentimentalidade meiga” (MICHAËLLIS DE VASCONCELOS,
1923. P XXIII- P XXIV).
Personagens e o espaço narrativo dos episódios. |
A pesquisadora Graça
Videira Lopes estudou o espaço do romance e a verossimilhança. Ao analisar o
espaço geográfico tecido ficcionalmente em Amadis de Gaula, defendeu que essa
tessitura comparece como recurso para imprimir verossimilhança aos fatos
narrados.
O “espaço do
romance de cavalaria está ancorado [...] num mundo que corresponde, em grande
medida, à imagem possível que o leitor medieval tinha desse mundo.
[...] "Gales, Pequena e Grande Bretanha,
Escócia, Dinamarca: eis-nos perante o que pode ser considerado uma ficção geograficamente verossímil.”
“Amadis de Gaula leva no seu nome a
sua origem paterna – filho de Periom, rei da Gaula, nome, [...] que poderá
corresponder tanto a Wales, Gales, como a um semi-mítico reino de
Gaula, que a Idade Média situava na Pequena Bretanha. Do lado materno, as suas
origens geográficas são próximas: nascido na Pequena Bretanha, dos amores
ilícitos deste rei Periom com Elisena, filha do rei bretão.”
“A infância passa-a na Escócia [...]
O seu suserano, senhor de toda a vida, e pai da sua dama Oriana, é Lisuarte,
rei da Grã-Bretanha, cuja corte está situada em Londres (e que é igualmente
genro do rei da Dinamarca).
O canal da Mancha é [...] um canal de
ligação, intensamente cruzado, entre terras política e culturalmente próximas.”
(LOPES).
Aplicando esse enfoque de Graça Videira Lopes
para acompanhar a trajetória do personagem Amadis e localizá-lo geograficamente
é que fazemos algumas citações, a seguir.
Amadis é ‘consagrado’ cavaleiro na Escócia
(LOPES VIEIRA. 1923. P 59-60).
Suas proezas e aventuras como cavaleiro andante incluem:
serviu El rei Perion na guerra de Gaula, quando “Desbaratou Abies de Irlanda”.
Venceu Dardan o soberbo “o mais fero cavaleiro da Grã Bretanha”.
Essa ancoragem será suficiente para que os
episódios fantásticos ganhem destaque, tal como: Amadis converteu Madarque, o
gigante, na Ilha Triste. (LOPES VIEIRA, 1923. P. 178)... A caminho de
Constantinopla, matou o demoníaco Endriago que tinha “o corpo veloso e
escamoso, a modo de rocha felpuda; corria voante como touro alado em asas de
morcego, chamejando pela guela peçonha de vapores; e todo o seu prazer era
devorar gente, da qual pouca restava” na Ilha do Diabo (LOPES VIEIRA. 1923. P.
180).
Além dos geográficos, valem também
aspectos históricos, na tentativa de tornar verossímil aquilo que é narrado,
como em: Amadis ganhou a Ilha Firme que fora de Apolidon. (LOPES VIEIRA. 1923.
P 116).
No entanto, há episódios despidos dessa
verossimilhança. Tal é o cap. XI – Briolanja.
Essa história traz a ‘tradição literária’ que será ironizada por Cervantes, em
1605, com Dom Quixote de La Mancha. Amadis vai ao Castelo de Grononesa e serve
Briolanja na guerra para reaver o reino que era dela. (LOPES VIEIRA. 1923. P
108). Amadis apenas deseja servir à princesa sem nada querer em troca.
Briolanja é quem se apaixona pelo herói. Amadis continua fiel a Oriana.
Esse altruísmo fantástico do cavaleiro
medieval corrobora em sua participação na ideologia do Bem em oposição à do
Mal. É nessa perspectiva maniqueísta que o romance contempla o tema do
Cavaleiro Negro X o Cavaleiro Branco (LOPES VIEIRA. 1923. P 79).
No Cap. IX do Romance de Amadis – A Coroa
e o Manto – o rei Lisuarte comete ‘o pecado da cobiça’ e depois sofrerá
desagradáveis consequências.
O objeto cobiçado pelo rei Lisuarte (ou
gênero masculino) é a coroa.
Seu sentido essencial deriva do da cabeça. A coroa não só se encontra na parte
mais alta do corpo (e do ser humano), como também a supera. Conota a própria
ideia de superação. A coroa é o signo visível de um sucesso, de um coroamento,
que passa do ato ao sujeito criador da ação.
O objeto cobiçado pela Rainha (ou a mulher) é o manto que simboliza, por um lado, sinal de dignidade superior; por
outro, estabelecimento de um véu de separação entre a pessoa e o mundo.
As
pedras preciosas como adorno significam riqueza. A mulher é o tesouro precioso
que deve ser guardado, escondido ou emparedado.
O rei Lisuarte é enganado por Arcalaus “um arte-mágico, votado às malas-artes e em más obras useiro”. “Barsinan, senhor de Sansonha, e homem tredo” (traiçoeiro) entrega os objetos para o rei, ‘em confiança’, quer dizer que poderia pagar ou devolver. Mas na hora de cumprir o trato, o rei “achara a arqueta vazia, inda que cerrada estava” (LOPES VIEIRA. 1923. P. 92, 98). Como reembolso forçado o rei Lisuarte entrega sua primogênita Oriana ao traiçoeiro.
Posteriormente, Oriana será resgatada por
Amadis.
Após o resgate de Oriana das mãos dos
cavaleiros maus, Amadis nada pede em troca ao rei, pai dela, confirmando
devotar amor desinteressado e verdadeiro à sua amada.
O tema do amor idealmente verdadeiro dá
provas públicas de sua veracidade conforme retratado no cap. XVI ‒ A Espada e a
Guirlanda (LOPES VIEIRA. 1923. P 162- 163).
Os objetos mágicos – que só funcionam se o amor for ‘perfeito’– são levados ao rei Lisuarte pelo escudeiro grego Macandon. Tanto a espada como a guirlanda são predicativos da vida heroica. A espada representa a luta e ainda conota o próprio‘falo’, ou seja, a potência e virilidade ou a força masculina. A guirlanda representa a glória que é o resultado da vida heroica que tem por continente a mulher, isto é, os louros da vitória são acolhidos e preservados pela figura feminina – responsável nesse contexto pela reprodução.
Os objetos mágicos – que só funcionam se o amor for ‘perfeito’– são levados ao rei Lisuarte pelo escudeiro grego Macandon. Tanto a espada como a guirlanda são predicativos da vida heroica. A espada representa a luta e ainda conota o próprio‘falo’, ou seja, a potência e virilidade ou a força masculina. A guirlanda representa a glória que é o resultado da vida heroica que tem por continente a mulher, isto é, os louros da vitória são acolhidos e preservados pela figura feminina – responsável nesse contexto pela reprodução.
Beltenebros
(Amadis) e Oriana participam do torneio sob disfarce e vencem: “Então
adiantou-se Beltenebros, levando pela mão a bem-amada: e, pegando na espada,
arrancou-a da bainha!” (LOPES VIEIRA. 1923. P 167). “Então adiantou-se a dama
de Beltenebros, levada pela mão do seu amado: e quando a pôs na cabeça – toda a
guirlanda floriu!” (LOPES VIEIRA. 1923. P168). A ‘florada’ (o amor idílico)
antecede os frutos (procriação) que garantem a continuidade na terra, mesmo
após a morte.
Prosseguindo
com temas relativos aos Contos ‘de fadas’ ou tradição oral há ainda a questão
do herói, sua sina e sua fada madrinha. “Uma vez, ia Gandales seu caminho e
apareceu-lhe uma donzela que lhe disse:
–
Ai, Gandales! Se muitos senhores soubessem o que eu sei, cortavam-te a cabeça...
[...] por que em tua casa guarda a morte deles. [...] Digo-te que aquele que
achaste no mar será a flor da cavalaria: fará tremer os fortes, humilhará os
soberbos, defenderá os agravados, e tudo obrará com honra. [...]
–
Ah! Senhora, dizei-me quem sois!
–
Sou Urganda a Desconhecida, mas não me busques que não me acharias. E, ao passo
que assim dizia, de moça formosa se mudou em velha trôpega. Isto vendo, teve
Gandales a Urganda por uma daquelas mulheres que possuem saber de sortes e
encantamentos, conhecem a virtude das palavras, das águas e das ervas, e
guardam o segredo de manter mocidade, beleza e poderio.” (LOPES VIEIRA. 1923. P
39-40).
[E] “contou-lhes Gandales a história de aquele
donzel [...] e também o que dissera Urganda, que o bom senhor tinha por fada”.
(LOPES VIEIRA. 1923. P 46).
A
expiação é um dos valores importantes pra o cristão. É nessa perspectiva que à
primeira reprimenda de Oriana que o herói Amadis assume a vida penitente. A dor
amorosa enfraquece o herói (desesperança). Assume a prática da humildade e do
afastamento da corte, da guerra e das glórias.
O
herói abre mão de seu nome (linhagem, glória, feitos, beleza) e assume o nome
Beltenebros para sua vida de penitência na Penha Pobre.
A
condessa Corisanda, viajando em uma nau que aporta em Penha Pobre, ouve Amadis
cantar a canção de amor que fizera a Oriana.
Dias
após, Corisanda canta-a no castelo do rei Lisuarte (pai de Oriana). Mabília
reconhece a canção – Cantiga de Amor – Senhor genta, (LOPES VIEIRA. 1923. P
172-174). E revela a Oriana que Amadis está vivo.
Os
personagens desse episódio – o herói e o monge – fizeram ‘tradição literária’ a
ex. de: O Conde de Monte Cristo ‒ romance da literatura francesa escrito por
Alexandre Dumas (1844). É frequentemente incluído nas listas de livros mais
vendidos de todos os tempos.
Comparece
ainda no Romance de Amadis outro tema recorrente do romance (e também da obra O
Conde de Monte Cristo) que é o casamento de interesse.
Pode-se
ler na fala do Conde Argamon (tio do rei) sobre o pedido de casamento do
Imperador de Roma para Oriana uma explicação de como se dava a sucessão nas
famílias da realeza. O conde é descrito como uma pessoa idosa, ou seja, é
apresentado como um conselheiro que diz: “tal casamento não era de razão se o
não desejava Oriana, e que ele suspeitava que a infanta não era leda de se
alçar por (isto é, não estava contente de se promover a) Imperatriz; e que por
esse casamento perdia ela o reino de que era herdeira e de direito lhe
pertencia, de sorte que, mandando-a ao Imperador, El rei Lisuarte a deserdava e
dava coroa a Leonoreta; que também tal casamento vinha por o reino em perigo,
pois o Imperador, por morte de sua mulher, poderia julgar-se com direitos a
esta coroa, e em verdade poderia vir a tê-los; e que sendo o Imperador poderoso
como era, sem grande trabalho o reino viria tomar.” (LOPES VIEIRA. 1923. P.
198).
Nessa
perspectiva um casamento era uma aliança entre famílias ou grupos de
cavaleiros. As uniões eram negócios que deveriam ser muito bem estudados. O que
parece a princípio um bom negócio pode se tornar uma péssima empreita,
levando-se em conta que o pedido de casamento partira de um imperador e
estrangeiro.
O
romance de Amadis remonta, assim, ao período final da Idade Média em que os monarcas europeus eram suseranos e os cavalheiros seus vassalos. O caráter português e a noção de linhagem comparecem como fator que delineia caminhos histórico-culturais peculiares.
REFERÊNCIAS
CIRLOT,
Juan-Eduardo. Dicionário de Símbolos. Tradução de Rubens Ferreira Frias. São
Paulo: Centauro, 2005.
LOPES,
Graça Videira. Geografias Imaginárias Espaço e Aventura no Amadis de Gaula.
VASCONCELOS,
Carolina Michaëllis de. Prefácio de O Romance de Amadis. Lisboa: Sociedade
Editora Portugal-Brasil. 1923. PP XIII-XLI.
CORREIA,
Rita (05 de Novembro de 2013). Ficha histórica: Lusitânia: revista de estudos
portugueses (1924-1927) (pdf) Hemeroteca Municipal de Lisboa. Visitado em 03 de
Dezembro de 2014. (Postado em: Wikipédia).
VIEIRA,
Afonso Lopes. O Romance de Amadis.
Lisboa: Sociedade Editora Portugal-Brasil. 1923.
_______________Afonso
Lopes Vieira Poeta Integralista. Éclogas de Agora. Angelfire. http://www.angelfire.com/pq/unica/il_alv_poeta_integralista_eclogas_de_agora_2.htm
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