quarta-feira, 4 de março de 2015

A Arte de Tecer Comentários (Internautas comentam Performance de Jovens "Guerreiros" Religiosos Cearenses). Edna Domenica Merola

Um periódico 'on line' divulgou reportagem que inclui vídeo que mostra um culto religioso ocorrido no Ceará (Brasil). O referido vídeo registra uma performance de um grupo de jovens organizados em forma de um batalhão do exército, dentro do culto.
Um jovem conhecido acessou esse material e me encaminhou. Iniciei a leitura mais por cortesia em relação a quem me enviou. Após a primeira leitura (que incluiu os comentários de várias pessoas), refleti sobre um fato que tem se tornado frequente... As postagens de comentários inflamados entre pessoas que certamente nem se conhecem. Partem de referenciais que muitas vezes não se conectam.
Segundo um internauta que comentou o lado ‘performático’ do ocorrido, a apresentação utiliza música do tipo medal of honor, isto é, são idênticas ou semelhantes às de um jogo eletrônico criado por Steven Spielberg no qual o jogador encarna um personagem. No caso, o personagem é um militar ou agente secreto estadunidense cuja missão é destruir os exércitos das Potências do Eixo. Essas eram inimigas dos Estados Unidos na Segunda Guerra do século XX.
O vídeo chamou a atenção de religiosos e de ateus que se pronunciaram em tom de indignação. Os primeiros pelo motivo de ferir os princípios religiosos e os demais por defenderem que o tal vídeo ridiculariza o exército da nação brasileira.
O tom de fanatismo inerente à performance referida suscitou comentários de internautas comparando-o tanto ao surgimento do nazismo europeu (início da terceira década do século XX) como ao fundamentalismo do Oriente nos dias de hoje (ou seja, após oitenta e cinco anos).
Dentre os comentários mais úteis destaco os que explicam o pensamento cristão que ‘prega’ a fraternidade e não as ‘armas’. Ou seja, o Evangelho propõe a negação de si mesmo e a fé em Jesus como Salvador e na mensagem da Cruz. O Evangelho Cristão aponta o caminho para a vida Eterna, ou seja, para a vida espiritual.
Um equívoco foi o de um comentarista que confundiu o Torá com o Alcorão. E ao tentar escrever Torá ou Torah ou Tora escreveu tora (com letra minúscula significa porção ou pedaço. Por exemplo, de uma árvore.).
A performance dos jovens guerreiros foi comparada a uma ação de fundamentalistas. Seria necessário recorrer a pronunciamentos feitos em entrevistas a autoridades religiosas e especialistas na leitura do Alcorão. Pelo que tenho lido ou ouvido desses especialistas, o Alcorão não manda ninguém praticar 'terrorismo' religioso.  
A maioria dos cristãos propaga que a Bíblia foi escrita por 40 autores diferentes, num período de quase 1600 anos. Segundo essa tradição, os livros do Antigo Testamento teriam sido escritos entre 1500 e 450 A.C. Já os livros do Novo Testamento datariam do período entre 45 e 90 D.C.
Desta feita, ao usar o vocábulo 'bíblia' é necessário especificar, como no exemplo: "evangelho segundo João". 
Lembrei-me desse exemplo porque João afirma que a grande novidade trazida por Jesus é o Amor. (Que bom que João disse isso. Mas que ruim que essa 'boa nova' ainda continua uma grande novidade para o mundo contemporâneo.).
Lembrei-me desse exemplo sobre a grande nova que é o Amor, pois sou da geração que tinha por mote PAZ e AMOR. Pregava-se o amor para substituir a participação na Guerra do Vietnã ou Guerra Americana ‒ ocorrida no Sudeste Asiático entre 1955 e 30 de abril de 1975. 
Eu usava mamadeira e havia essa guerra.
Depois eu dançava rock e havia essa guerra. 
Depois eu cantava na roda de samba da universidade e havia essa guerra... 
Os artistas e os estudantes eram tratados como hippies e isto era sinônimo de ser tão imprestável como um desertor da guerra. Mas não podíamos dizer ou escrever nada contra isso.
Hoje podemos! Cabe sabermos usar o poder... Cabe estimarmos essa oportunidade e nos estimarmos ao escolhê-la.
Recomendo que internautas ao pensarem em fazer comentários, primeiro se acalmem. E se autoestimem. Só escrevemos de forma compreensível se nos sentirmos bem ao fazê-lo. Dialogar deve gerar prazer!
Não vale usar as palavras como armas, já que queremos combater essa descrença que pesa sobre o Estado em sua responsabilidade de manter a vida civil em sua normalidade: paz entre os povos como direito coletivo primordial, direitos individuais que incluem a liberdade de culto e a de expressão.
Vale lembrar que vivemos numa sociedade pós-moderna onde ficção e realidade se misturam. Muitas vezes a ficção é nociva para a realidade como os jogos em que crianças assumem virtualmente o comando de um exército. Para que ensiná-los a atacar os demais países? Para que incitá-los a se defender, se não estão sendo atacados? Para que incutir um espírito belicoso ao invés de ensinar a busca do equilíbrio para o enfrentamento das dificuldades reais que a vida nos apresenta?
Como está escrito na  Constituição Federal Brasileira somos um estado laico. Portanto, no Brasil, não existe nenhum estado evangélico, nem espírita, nem católico, nem muçulmano, nem israelita. 
Mas se uma performance dentro de um culto religioso pode nos lembrar do nazismo e do fundamentalismo é porque algo está caminhando fora dos trilhos constitucionais e é de certa forma alarmante.
Para defender a concepção de um estado laico é preciso investir na Escola Básica pública.
Pense na educação pública como um direito coletivo básico... Pense nisso com carinho, ainda que não seja professor, ainda que não tenha filhos, ainda que se os tivesse não necessitaria da escola pública (ou pensa que não iria necessitar...).
Espero que os internautas continuem discutindo e dialogando. E que aceitem as pequenas contribuições que deixei aqui sobre a arte de tecer comentários...
Na época da ditadura brasileira, assisti, num teatro da cidade de São Paulo, a uma montagem de Brecht em que os algozes machões do Esquadrão da Morte eram representados numa dança com trejeitos afeminados...
Nos anos de chumbo, usava-se o riso para denunciar... Isso funcionaria agora, num contexto de 'bate-boca' entre internautas? 
Parece que a arte pessoal de tecer comentários pela paz consistirá em defender amorosamente o próprio ponto de vista ao invés de guerrear contra o ponto de vista alheio.
O que é defender amorosamente? 
Defender é para a hora do risco... Caso contrário é paranoia. 
Abaixem as armas, pois a guerra dos jovens cearenses ainda é ficcional, embora o medo que a performance inspira seja verdadeiro. (Será que vão bancar soldados do exército ao sair do culto? Será que aviltarão as leis vigentes ?)
O ato de amar é mais fácil de entender: implica na existência de pelo menos duas pessoas, implica em diálogo, implica em vínculo, em constância, em perseverança. E que mais? 
Só você tem essa resposta... 


3 comentários:

  1. O Brasil é um país laico, e espero que continue assim. A liberdade religiosa e de imprensa/comunicação requer responsabilidade.

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  2. Implica em respeito que é o que eu acho que está faltando nesta terra de ninguém chamada internet. As pessoas compartilham coisas sem se certificarem da veracidade do fato, comentam sobre coisas das quais não possuem conhecimento nenhum, na maioria das vezes. Se apropriam das ideias alheias sem nenhum pudor, e por outro lado, parece que ninguém mais pensa no coletivo, somente em si mesmo, ninguém consegue se por no lugar do outro para tentar entender seu ponto de vista. Isso virou um território narcisista onde a guerra dos egos impera.

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  3. Lourdes trouxe a questão das responsabilidades perante as liberdades individuais no caso brasileiro. Roseli clama pelo respeito "nesta terra de ninguém chamada Internet" que é "um território narcisista onde a guerra dos egos impera". Cabe a cada país legislar para acabar com a impunidade dos seus cidadãos que praticam 'bulling' via Internet.

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