segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

RETROSPECTIVAS 2025 - por Edna Domenica

 


As retrospectivas sobre minhas publicações no Café Literário NOTIBRAS no ano de 2025 abrangem alguns motes a saber: 1- “O Javali, o Galo e a Cobra” que são vistos como energias densas que bloqueiam a iluminação, mas podem ser transformadas em sabedoria por meio de práticas que conduzem à libertação. 2- “O Foco no momento presente” como ressignificação e encontro. 3- “Rastros metalinguísticos” que refere ao momento poético, ao gênero textual praticado e à recepção do texto literário pelo leitor. 4- “Textos que causaram polêmicas em saraus” que descreve algumas reações de leitores ou ouvintes. 5- “Para ouvir agora o que cantei antes” que refere a aspectos da musicalidade do texto literário, ao ritmo da linguagem utilizada e suas decorrências no estilo autoral.

 

O primeiro item desta retrospectiva considera a escrita como prática iluminadora. É sobre acordar querendo banir o ranço que há no Javali, ou seja, naquele ícone que refere a como alguém se apresenta e de como cria as narrativas de sua própria vida.

Mas eis que surge a Cobra que me sacode com cenas de minha autoria, tais como as contidas em: "Dissimulada, reacionária, usa e abusa sem pagar nada", publicado em 22/02/2025 - e "A volta da Síndica Sem Noção, agora no dia em que pegaram o capitão", em 01/04/2025. Ambos retratam autoritarismo, maus tratos e intrigas num condomínio residencial.

O guizo da Cobra se ouve ainda na publicação de 21/11/2025: "Palavra de homem branco" - um poema visual em que o autoritarismo e as intrigas são colocados no âmbito político social. Trata-se de um protesto ao legislador que promulga leis em benefício próprio desde a época de Moisés do Velho Testamento até Derrite do Congresso Brasileiro de 2025. 

Meu lado Javali tende a se vitimizar e chorar o leite derramado. Então penso que o ano quase termina e ainda não fizemos a festa de lançamento do livro "Rapsódia da Rua da Mooca" à revelia de termos concluído a história no mês de agosto.

O Galo não me acode, mas me sacode. Começo a ouvir seu canto que me desperta para o trabalho de perene reconstrução de identidade. 

Penso na linda experiência de 2025 que foi o processo de escrita coletiva em que Eduardo Martínez, Gilberto Motta, Marlene Xavier Nobre, Rosilene Souza e eu (Edna Domenica) nos dedicamos. Lembro- me de que ganhamos um prefácio simplesmente maravilhoso das mãos de Cecília Baumann e do qual antecipo: " Estar diante da Rapsódia da Rua da Mooca é também estar diante de um desses encontros improváveis, um desses sopros de genialidade coletiva, linhas entrelaçadas que desenham mais do que histórias: são pontes, afetos e espelhos da vida.”.

E o ícone Cobra se esvai desenxabido. Balançando a extremidade oposta ao rabo. parece comentar sobre mim:

- Não acredito! Não é que ela deu a volta por cima? 

 

No segundo mote de retrospectivas de 2025 - “O foco no momento presente” - destaco algumas frases mais leves que porventura eu tenha alcançado. 

Ensinamentos budistas percebem como causas do sofrimento: o apego que se manifesta pela ansiedade ou anseio de prover ou antecipar o futuro e o desejo. 

O foco no momento presente e o desapego de substâncias e de comportamentos repetitivos impulsionados pelo desejo são considerados libertadores.

Na primeira retrospectiva sobre meus escritos de 2025, publicada em 09/12/2025, evoquei publicações que partiram de espectros viciantes simbolizados pelo Javali, o Galo e a Cobra. E mencionei até certa superação da raiva pelo empoderamento da escrita criativa que contou com a valiosa parceria do Café Literário Notibras.

A empreita aqui é a de retomar, dentre minhas publicações, algo que possa apontar para o foco no presente.

O encontro com outros autores propiciou que eu me mobilizasse no presente. Em publicação coletiva de fevereiro de 2025, contribuí com o que segue:

 

"Gosto de um gostar

Que impregna o ar

Retórica artística confessa

Rumo a pessoas,

Afetivamente.

 

Gosto de livros

De um jeito professoral

Que afaga a escrita

Sem iludir você

Definitivamente,

Gosto."

 

No poema " Acalanto para Fênix Menina”, publicado em 25/11/ 2025, há registro de um momento de renascimento e de percepção do eterno devir que antecede o estado de presença:

 

Na noite novembrina,
Uma alma leve, lavada
canta acalanto pra Fênix
Alma minha, Menina.

 

Em 24/11/2025, o texto "Fio" descreve o processo de inspiração poética como movimento corporal involuntário tal como a respiração:

Da terra,

inspiro

hortelã

 

O ar aroma

enleva,

leva,

acalanta.

 

Do ar,

expiro

nítido astral

– Hortelã: tela

(metamorfoses

formas

cores).

 

No poema "Aristóteles na boca do povo", publicado em 29/11/2025, pode-se ler sobre o momento poético: 

"a palavra uterina, cedo ou tarde, escapa pela boca." 

E sobre o momento de escrita propriamente dita:

"E a Esfinge maliciosa e sorridente
Repetia entre dentes:
– Sublima- me ou te devoro!
Enquanto Bela, em seu quarto…
Calmamente…
Escrevia."

 

 

No terceiro mote – “Rastros Metalinguísticos” persigo pistas a exemplo  

do publicado em 04/06/2025, o poema "Algoritmos de Sangue" que traz o momento poético como um estado de introspecção expresso na concretude da palavra:

"Fico e me fito

Tento contato comigo

– Ébrio? Sóbrio?

Se esquecer adjetivos pelos cantos,

Os substantivos serão cantos?

 

Publicado em 12/11/2025, o poema "Talvez" refere à recepção da poesia pelo leitor: 

 

"Talvez a lira soando,

em plenitude ressoando,

tanja em tuas cordas

notas-fantasia

acordes-sonhos

arpejos-ideais

toque, em ti, divina melodia

arranjo-realidade.

 

Em “A Sina dos Saltimbancos”, publicado em 15/11/2025, revelo meu ponto de vista sobre a relação entre escritora e leitores:

"Quando escrevemos, nos misturamos a outros universos momentaneamente. Finda a criação, voltamos para nossas casas. E, se dela saímos, nos confrontamos com o mundo externo que pode ser chamado precipitadamente de realidade.

Vida de escritora é exercício de entrar no casulo e dele sair para dar à luz algo sombrio ou solar, mas sempre a iluminar idiossincrasias leitoras. Explico: eu escrevo o que posso, e você lê conforme se permite. Entre nós há um ruído que é o mundo que acontece fora dos nossos casulos."

 

Outra empreita metalinguística é o livro a ser lançado brevemente: Rapsódia da Rua da Mooca que traz em seu título uma referência ao gênero textual praticado.

Trata-se de uma única história contada sob vários gêneros literários: dramático e crônica com Edna Domenica Merola; roteiro cinematográfico com Gilberto Motta; romance policial com Eduardo Martínez; a narrativa com apelo visual de Rosilene Souza e a calcada na linguagem oral por Marlene Xavier Nobre. Ao usar fragmentos de textos já publicados pelos autores, revela elementos do campo da experimentação literária formal e estrutural.  Nas palavras de Cecilia Baumann: “Cada página dessa rapsódia é um convite ao riso, à reflexão, à indignação bem-humorada, aquela que só os bons escritores sabem provocar.”

 

 

A quarta retrospectiva tem por mote: “Textos que causaram polêmicas em Saraus”.

Um texto que causou polêmica (soube por leitores mais próximos) foi "Entreguismo, porte de arma e uma passeata pela paz", publicado em 13/07/2025. Colocar a palavra "arma" no título é politicamente incorreto, disseram alguns. Referir a um filme em que um aluno comete vários assassinatos na escola onde estuda pode incentivar que outros cometam atos semelhantes, disseram outros. Anotei a lição: escrever sobre a paz não é tarefa que se completa na postura de um alguém olhando para o próprio umbigo. Tenho escrito com amigos de escrita. Gostaria que muitos lessem nossos textos coletivos e dialogassem conosco sobre eles. E, nos comentários, contassem ações de inclusão social das quais têm conhecimento ou participam. 

 

No texto coletivo "Poema ancestral" participei com o que segue: 

"Meu lado europeu

É um jubileu

De abraços e traços:

Um traseiro afro,

Um nariz mouro,

Pele alva (de sabe Deus!).

A face com contornos romanos

 

Em Madri me segregam

(Sou a cara da moça na lata do azeite)

Em Perúgia, me chamam de francesa

Em Pomerode, sou forasteira

Em Floripa, meu sotaque sofre bullying

 

Em São Paulo, trabalhei

E antes minha mãe também,

Em São Paulo minha nona trabalhara...

E, quando isso não é parto de dor,

O retrato do meu avô me sorri no corredor"

 

Num sarau, ao ouvir o “Poema Ancestral” na íntegra (texto coletivo), um homem branco da plateia me lembrou Maria Antonieta. Recorda-se, a cara leitora ou o caro leitor, dessa rainha? Sim, a que disse, lá na França, sobre a fome do povo: “se não tem pão que comam bolo!” Pois não é que o homem branco conseguiu me surpreender? Morador de uma cidade de SC, disse que, quando toma um ônibus, se sente diferente dos demais. Para ele, aqui vai minha irônica resposta:

 

– Toma um Uber, Seu Zé!

                        Ou vá a pé!

 

Mais do que nunca é necessário divulgar ações pela paz e pela inclusão social das quais temos conhecimento ou participamos.

Por isso divulgo nosso livro coletivo Rapsódia da Rua da Mooca (Edna Domenica, Eduardo Martínez, Gilberto Motta, Marlene Xavier Nobre, Rosilene Souza). Nossa rapsódia faz um retrato social sob o viés de personagens cuja tônica é a diversidade. Nas palavras de Cecília Baumann: “Rapsódia da Rua da Mooca não é apenas um livro. É [ …] acima de tudo, um gesto de resistência.”

 

A quinta retrospectiva tem por mote: “Para ouvir agora o que cantei antes”.

Porque tudo passa muito depressa quando o planeta Terra pede socorro e os ricos querem os territórios sobreviventes só para eles. 

Porque o tempo é soberano e o egoísmo é fábrica de urgências. 

Porque as urgências administradas pelos que ocupam postos no topo da pirâmide é causa das emergências que assolam a base da pirâmide... 

Tive de retroceder para tentar resgatar, resenhar, parafrasear esse tempo devorador, para ouvir agora o que eu mesma cantei antes... Na tentativa de sustentar aquela música no ar...

Voltei e reli, em "Mister de Profeta", publicado em 22/08/2025: "Músicas, formas… Tudo pode ser arredondado, a palavra inclusive. Se conclusa, porém, enquadra-se em retilíneas. Quero pés de andar em texto. De cabeça erguida em música."

E sustentando notas pretéritas e apaixonadas, reli no poema "Carta a um eu lírico”, publicado em 28/08/2025, citações de poetas famosos.

"Quando eu o vi, um anjo torto

desses que vivem na sombra disse":

– Vai, ver seu amado “ser gauche na vida”.

[...]

 

Ah! Amado, que saudade daquela pedra

Que virou metáfora no meu caminho.

 

Já anoiteceu…

“Eu não devia te dizer”, mas aquela lua

botava a gente comovida “como o diabo”.

[...]

 

Amor, estou saindo agora

pra encontrá-lo em Pasárgada…

Levo o seu porquinho da Índia e…

Suas “palavras sobretudo os barbarismos universais

[...]

 

No nosso encontro “o lirismo dos loucos

O lirismo dos bêbedos

O lirismo difícil e pungente dos bêbedos

O lirismo dos clowns de Shakespeare.”

[...]

Espero você na “Rua Nascimento Silva, 107.”

Eternamente tua,

Elizete."

 

E reli ainda, em “Poema para um sarau”, publicado em 17/10/2025:

"Não quero lhe falar das coisas que ensinei e arrisco:

Viver é melhor que contar o contar de encontrar

Multifacetada, eu vivo à toa como qualquer Pessoa

Ainda somos e vivemos com os nossos ais”.

 

Em retrospectiva que busca estar presente no aqui e agora, reli em "Minha Deixa" (publicado em 2025):

 

"Deixa ser e te permite ser.

Toma a responsabilidade de ouvir

que a música lá de fora vem de fora

e que a música de dentro vem de dentro.

 

Para, entra em contato.

Viver é tão lindo,

quando se transcende a região de Maia."

 

Porque ser humano é saber a perspectiva de futuro como possibilidade, antecipo trecho do paratexto inicial de Rapsódia da Rua da Mooca, em que Eduardo Martínez - um dos autores do livro - relaciona ritmos musicais com estilos de escrita. Eduardo nunca havia ouvido falar de escrita conjunta. Se bem que era de seu conhecimento que havia gente que escrevia letra de música em parceria. Mas nunca imaginara uma história escrita a tantas mãos. Mesmo assim aceitou o desafio, que, a princípio, causou dúvidas. Afinal, quem é que decide a trama, o desenlace? Imaginou que seria algo como uma orquestra, só que cada um tocando um ritmo diferente: “olha lá a Edna no frevo, o Gilberto no tango, a Marlene no rock, a Rosilene atacando de baião, e ele, Eduardo, tentando puxar para o lado do samba.” 

Nas palavras de Cecília Baumann, no prefácio de Rapsódia da Rua da Mooca:

"Quando me deparei com essa trupe de escribas — Edna, Eduardo, Gilberto, Marlene e Rosilene — confesso que fiquei intrigada. Afinal, quem, em sã consciência, se lançaria ao desafio de construir uma narrativa a dez mãos, cada uma puxando para seu compasso, sua métrica, sua música? Pois bem… esses cinco não só se lançaram, como o fizeram com uma maestria que, honestamente, me tirou o fôlego.

 

Sobre a autora (Depoimentos autobiográficos)

 

Não sou pessoa indicada a dar respostas... Nem sou mais de correr. Mas tenho ido pra Pasárgada sempre que quero rever a "estrela da vida inteira"... Às vezes olho pra quem está "preparando outra pessoa" e o tempo para pra olhar aquela barriga... E lembro da jovem guarda nas tardes de domingo... Fico bem. Mas depois lembro "da mosca que pousou na minha sopa"... E da "gente humilde que não tem onde morar". Então "estou de malas prontas" pra Shangrilá já que “Fora da ficção não há salvação!” - Livrus, versículo zero.

No meu quintal, tem “um comboio de cordas que se chama coração”.  Tem “um porquinho da Índia” … Tem todos os livros do Jorge Amado. No meu quintal, tem muros altos como burgos que fazem caretas para fascistas. Muros que acenam às andarilhas de luto à procura da irmandade livre de amarras servis. Já que: “Fora da ficção não há salvação!” - Livrus, versículo zero.

Houve um dia em que me senti como uma árvore caída… Percebi que uma séria doença atingira a humanidade: a cromofobia. Essa doença que dividiu a nação brasileira em Verde amarelentos de um lado e Vermelhos, do outro. Então apelei para o PRCDC – “Programa de Recuperação Cognitiva e Dessensibilização de Cromofobia”. (O PRCDC tem parceria com a Igreja “Fora da ficção não há salvação”).

Valorizo o trabalho de editoras. Avalio as dificuldades que elas enfrentam para se manter num país em que políticos propagam o desprezo pela pesquisa, pelos professores, pela escola pública laica, civil e de qualidade. Políticos que menosprezam as cotas para os povos originários e a prova do ENEM como mecanismos de justa seleção para ingressar na universidade pública. 

Sou militante do PRCDC - "Programa de Recuperação Cognitiva e Dessensibilização de Cromofobia". No projeto, livros são usados como vacinas para a cromofobia - essa doença epidêmica que retorna com intensidade de quatro em quatro anos, ou seja, nas eleições para os poderes Legislativo e Executivo - federal e estadual. 

PRCDC é um projeto de resiliência em prol dos princípios democráticos. Consiste de leituras dos autores: Edna Domenica, Eduardo Martínez, Gilberto Motta, Marlene Xavier, Rosilene Souza. Assim como de Graciliano Ramos, Ariano Suassuna, João Cabral de Melo Neto, Chico Buarque de Holanda, Guimarães Rosa, Mia Couto, Conceição Evaristo e outros. Para sanar os casos mais graves de cromofobia, o PRCDC recomenda: Marx e Engels.                                                                                                                                                                                                                                                                      REFERÊNCIAS                                                                                                                     https://www.notibras.com/site/o-javali-o-galo-e-a-cobra/

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