Quando
estudei crônica no cursinho pré-vestibular, em 1970, lembro-me de que as
referências eram sobre um gênero praticado por jornalistas e, por isso, não
literário (em seu sentido canônico). No entanto, à época, leitores paulistas
tinham o prazer de ler crônicas de Carlos Drummond e de Lourenço Diaféria, em
coluna diária (parece pleonasmo, mas não é, pois havia um suplemento literário
semanal escrito por críticos de arte). Anteriormente, leitores cariocas já
haviam sido contemplados com páginas escritas por Clarice Lispector e Manuel
Bandeira!
Em
2012, a situação é outra, pois a arte contemporânea é despida de preconceitos
ou até de conceitos... Antes que o leitor se arme contra o que vou dizer,
antecipo que se trata de compartilhar algo vivido por alguém que viu o saber
institucionalizado sair da sala de aula e percorrer redes sociais na
Internet... E de alguém que viu o senso comum desafiar teorias como se fossem
todas elas feitas por tolos sedentários em busca de ocupação...
Percebo
que nesse ponto algum leitor poderá me chamar por adjetivos iniciados pelo
prefixo in (+satisfeita, +flexível,+conformada...). Deixe-me só acrescentar que
esse desafio do senso comum foi maravilhoso, na década de noventa,
auxiliando-nos a criar novas didáticas preocupadas em religar saberes, criando
projetos multidisciplinares, interdisciplinares, transdisciplinares! Mas
voltemos ao gênero crônica e a 2012. As pessoas ‘plugadas’ em criar por meio da
palavra (e por que não incluir todos que redigem as conversas nas redes sociais?)
se valem da veia de cronista, pois falam do momento presente em generalizações
tribais que desvelam a privacidade, registrando costumes, comportamentos e
demais concepções sobre o fazer (que é a forma contemporânea de mostrar a
imagem da existência!).
Em
2012, navegando, na condição de internauta, por sites produzidos por adultos,
descobri um texto formatado como didático no qual os exemplos dados sobre focos
narrativos foram invertidos. Comecei a buscar elementos para entender esse
erro, pois no mais o texto aparentava ser bem intencionado. Fiquei
apreensiva... O que teria sido feito com
as pessoas honestamente curiosas e com os bons pesquisadores? Teriam perdido a
credibilidade, deixando espaço para enganadores que dominam a linguagem das
novas tribos? Mas segui firme com a meta de entender o que causou essa
depressão no terreno de estudantes e estudiosos e no território dos
‘escritores’... Em primeiro lugar, o que vem a ser foco narrativo? É o ponto de vista ou a perspectiva através
da qual se conta uma história. É a posição escolhida pela instância narrante ou
voz que conta algo.
Num
diálogo com alunos, enquanto citava a respeito de narração em 1ª e 3ª pessoas,
um deles falou: ‒ Como seria uma narração em 2ª pessoa? Achei a pergunta
engraçada, pois era inédita! O fato é que pessoas criam dúvidas e isso estimula
quem gosta de ensinar. A resposta então foi a que segue: ‒ A primeira pessoa é
quem está falando, a terceira pessoa é de quem se está falando, mas a segunda
pessoa é com quem se fala. Então não pode haver narração em 2ª pessoa, porque
na narração a 2ª pessoa é quem recebe a história, o ouvinte ou o leitor, a
pessoa para quem se narra os fatos. Se ela passar a narrar, deixa de ser a 2ª pessoa.
Percebi que meu aluno confundira as pessoas gramaticais que são três (primeira:
eu e nós; segunda: tu e vós; terceira: ele, ela, eles, elas) com os tipos de
narradores que sãos vários, mas decorrentes da escolha entre narrar como
observador ou narrar como personagem.
A
partir de então, prefiro sempre diferenciar os dois tipos como: narrador
observador e narrador personagem. Narrador-Observador: é aquele que conta a
história através de uma perspectiva de fora da história, ou seja, em momento
algum, ele participa da história, mas em todo o tempo, ele está observando.
Narrador-Personagem: conta a história de uma perspectiva de dentro da história,
participa do enredo, é um dos personagens, utiliza ‒ eu ou nós ‒ para narrar.
Quando
exponho um texto narrativo de minha autoria, usando o pronome eu, ocorre dos ouvintes
perguntarem se é verídica. E a situação se agrava, quando o gênero é crônica.
Sou poetisa, além de cronista. Meu livro ‒ No Ano do Dragão ‒ é um
livro de crônicas que tem personagens poetisas ou não, místicas ou não... O
foco narrativo de alguns textos é em primeira pessoa, outros não. Sua temática
é contemporânea. Os narradores das crônicas referidas são oniscientes. Concordo
que tudo isso faz suspeitar se há, não só na obra em pauta, mas na crônica em
geral, certa veia autobiográfica. No entanto, o viés recorrente no gênero é a
leitura de mundo que os autores expressam na construção da ficção sob a própria
percepção do momento social vivido no cotidiano (que chamamos de realidade,
costumeiramente). Mas as pessoas, quando fazem perguntas não querem entabular
diálogos longos. Querem respostas rápidas do tipo sim ou não.
Noutro
dia, duas alunas queriam se inscrever num concurso de crônicas e me pediram uma
receita rápida sobre a escrita desse gênero. Dei a que segue: descreva, narre,
disserte, aflore sua veia poética em prosa... (Ah! Não precisa ser nessa
ordem!).
Mas
o que é descrever, quando se trata de crônica? Descrever é buscar lugares
descritivos. Na descrição há elementos para a realização de fatos, mas não
ocorre a interação entre os elementos (por exemplo, o diálogo entre os
personagens).
O
que é narrar? É escolher um foco para uma escrita constituída basicamente de
verbos que expressam ação e encadeiam causas e consequências, revelando a
interação de elementos para a realização de fatos.
O
que é dissertar? É buscar pertencimento a comunidades argumentativas sendo
necessária a predominância da disposição lógica de indícios, suposições,
deduções, e opiniões que busquem respaldar um conjunto de sequências
argumentativas. O que é veia poética? É a responsável maior pelo viés
autobiográfico da crônica, pois expressa a visão de mundo da (do) cronista.
Se
essa “receita” não foi suficiente há sempre a possibilidade de buscar outras...
Afinal há quem diga que vale a pena, já que ser cronista foi uma profissão
'real’... Até onde eu sei o cargo de cronista Mor do Reino foi uma oportunidade
profissional e tanto na época do Fernão Lopes (1434), assim como na de Gomes
Eanes de Azurara (1454)... Pero Vaz de Caminha também teve seus momentos de
fama como cronista por ocasião da invasão portuguesa às terras tupiniquins, em
1500. (Como isso foi chamado de descoberta do Brasil também por historiadores,
vê-se que o uso de eufemismos e de outras figuras de linguagem não é
prerrogativa exclusiva de poetas.).
Mas
para o cronista em idioma português a “mamata” (ou o período áureo da profissão
de cronista da realeza) acabou em 1580 com a integração do reino de Portugal à
coroa de Espanha. Esperando, com paciência histórica, que as coisas melhorem,
vou em frente nessa tourada! E só posso terminar com: ‒ Olé!
Uma crônica que chama a atenção, da narração e do diálogo nas crônicas, muito boa
ResponderExcluirMário
Olá, escritor Mário Osny, fico feliz com seu comentário assertivo.Edna.
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