Momentos
desafiantes: um novo olhar.
Oleni
Oliveira Lobo
Um
dos momentos mais imprevisíveis da vida e menos desejados na vida? Acredito que
seja a falta de saúde, principalmente em crianças. Uma fase para aproveitar,
experimentar ludicamente o que a vida tem a oferecer, correr, brincar, se jogar
no chão, andar descalço, explorando tudo que tem a sua volta, tudo
completamente inédito, seu olhar e desejo é conhecer o universo.
Algo
novo surge: seu quarto trocado por um espaço em um hospital, no qual
compartilha momentos assustadores com um companheiro ao lado. Limitados a uma
ala, um quarto com entra e sai com pessoas que trazem líquidos com sabores não
agradáveis, agulhas que provocam dores. Cadê a comidinha? Exames exigem muitas
vezes três dias sem alimentos apenas soro.
Tudo
tão assustador! Nada pode ser feito! Existe apenas este lado! Lembre-se “se
Maomé não vai à montanha...”.
A
empatia fez com que os adultos percebessem como este mundo é assustador e recheado
de receio e medo. Mamães são preparadas para que seu filho possa aproveitar da
melhor forma este momento. Paredes coloridas, brinquedoteca contadores de
história tanto para as crianças quanto para as mamães.
Uma
experiência em uma ala pediátrica com pacientes terminais, tudo isto existia,
cenas que eles mesmos escolhiam, nunca falavam em morte e nem perguntavam sobre
a criança que não voltava mais ao quarto.
Uma
ocasião uma criança ficou fora por trinta dias para realizar exames sendo
necessário o isolamento. Percebi que a menininha observava tudo com
estranhamento, perguntava nossos nomes. Ao retornar ao quarto, ainda nos
corredores da pediatria, as crianças ficaram olhando para a menina com
curiosidade, e uma delas perguntou: “como é morrer?”. E a menininha respondeu
“tudo lá é igual a aqui: a mamãe, o tio Pedro, tio Renato, nossa tia das
brincadeiras... Tudo igual! Só que tem uma luz azul. Deus eu não vi, e procurei
muito, mas eu ouvi um barulho da respiração dele e foi bom, deu alegria”. E as
crianças continuaram perguntando. Pareciam jornalistas cobrindo uma notícia em
primeira mão.
Emocionou
a todos e descobrimos que aquilo que as assustava, as crianças deixavam pra lá
e pensavam no hoje, no dia que tinham apetite para saborear o que gostavam, um
dia sem picadas. Ah! As picadas daquela grande vilã a dona agulha?
Bem,
a agulha foi transformada em um túnel para transportar os super-heróis e
superpoderosas, iriam disfarçadamente entrar no corpo combater o dodói. As
grandes frases ao receberem estes protetores: “tia este está usando laser, arde
muito. Se eu chorar o dodói vai perceber?”.
Ao
que dizíamos: “pode chorar daqui a pouco a guerra diminui.”.
Outros
diziam: “espada forte até eu tô
sentido cortar” “tô sentido o dodói
fugindo. Este homem aranha é bom mesmo”.
Uma
conversa de uma criança preparando outra para cirurgia: “fica com medo não!
(exibindo sua cicatriz), eles colocaram aqui dentro um chip que me avisa tudo,
mas vou te avisar: eles vão tirar uma coisa de ti, fica sem chorar porque eles
devolvem coisa melhor! Acredite: a sala é uma grande espaçonave e tem até gente
da lua que te faz dormir aquele soninho
como se fosse no colo da mamãe, por
isto não dói. Não vou mentir: depois deste soninho dói. Aí vem um
extraterrestre disfarçado e faz você dormir de novo. Eles são bons!”.
As
crianças têm muito a nos ensinar a sentir o invisível, a acreditar em magia. Ao
vestir uma fantasia da Frozen, do Batman, Minie, Capitão América, Unicórnio,
eles se transformam nestes personagens, mesmo sabendo que é um faz de conta
para tudo aliviar e amenizar.
Eu
mesma passei por estes momentos mágicos. Fizera um procedimento em minha testa,
quando encontrei com um garoto na sala de espera de uma consulta. A cicatriz
recente estava bem visível. O menininho ficava olhando em minha direção sem
desviar em nenhum momento seu olhar instigador. Dei um sorriso para ele o que o
incentivou a vir falar comigo. Ele disse: “tiraram seu chifre da testa, mas deixa passar a mão pra fazer um pedido,
porque chifre de unicórnio ainda tem a força mesmo quando tiram... deixa, deixa
Senhora Unicórnio?”.
É
claro que permiti. Então ele fechou os olhinhos e passou aquela mãozinha tão
fofa! Baixinho, ele disse: “não posso contar o que pedi, mas tem um pra ti,
Senhora Unicórnio. Vai ser bom! Hum! Que vontade de contar...”.
Mas
o médico o chamou para consulta. Dei um beijo nele que saiu todo feliz. E eu?
Fechei os olhos, coloquei minha mão em minha cicatriz... Ops, no local do meu
antigo chifre de unicórnio! E fiz um grande pedido, algo muito bom para ti que
está lendo este texto, eu pedi... Ah! Não vou contar. Afinal, se contar não
acontece!
Edna és uma pessoa com uma disposição linda para incentivar o envolvimento das pessoas. És inspiradora.
ResponderExcluir– O estado de espírito da narradora é de proatividade. Transmite alento e força ao leitor.
ResponderExcluir– A história de vida da autora me revela que ela é voluntária na ala infantil de hospital. A narradora é uma observadora que interage com os fatos relatados. Entra no mundo do faz de conta infantil que dá suporte ao enfrentamento da dura realidade da criança interna num hospital.
– A narradora aponta como local de observação “um espaço em um hospital, no qual compartilha momentos assustadores com um companheiro ao lado. Limitados a uma ala, um quarto com entra e sai de pessoas que trazem líquidos com sabores não agradáveis, agulhas que provocam dores.”
– A narradora usou dois ângulos durante a narrativa: o de integrante de trabalho voluntário em ala de internação infantil e o de paciente.
Como voluntária: “A empatia fez com que os adultos percebessem como este mundo é assustador e recheado de receio e medo. Mamães são preparadas para que seu filho possa aproveitar da melhor forma este momento. Paredes coloridas, brinquedoteca contadores de história tanto para as crianças quanto para as mamães.”
Como paciente é a personagem Senhora Unicórnio que encontra, na sala de espera do hospital, um garoto que lhe diz: “tiraram seu chifre da testa, mas deixa passar a mão pra fazer um pedido, porque chifre de unicórnio ainda tem a força mesmo quando tiram... deixa, deixa Senhora Unicórnio?”.
https://aquecendoaescrita.blogspot.com.br/2017/12/a-escrita-criativa-e-o-ato-de-observar.html
Um assunto tão sério apresentado de forma leve e delicada. A interpretação e enfrentamento com que as crianças vivem essa fase difícil é uma lição para todos nós. Lindo texto, Oleni. Emocionante.
ResponderExcluir