terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Textos de Oleni Oliveira Lobo

Momentos desafiantes: um novo olhar.
                                               Oleni Oliveira Lobo

Um dos momentos mais imprevisíveis da vida e menos desejados na vida? Acredito que seja a falta de saúde, principalmente em crianças. Uma fase para aproveitar, experimentar ludicamente o que a vida tem a oferecer, correr, brincar, se jogar no chão, andar descalço, explorando tudo que tem a sua volta, tudo completamente inédito, seu olhar e desejo é conhecer o universo.
Algo novo surge: seu quarto trocado por um espaço em um hospital, no qual compartilha momentos assustadores com um companheiro ao lado. Limitados a uma ala, um quarto com entra e sai com pessoas que trazem líquidos com sabores não agradáveis, agulhas que provocam dores. Cadê a comidinha? Exames exigem muitas vezes três dias sem alimentos apenas soro.
Tudo tão assustador! Nada pode ser feito! Existe apenas este lado! Lembre-se “se Maomé não vai à montanha...”.
A empatia fez com que os adultos percebessem como este mundo é assustador e recheado de receio e medo. Mamães são preparadas para que seu filho possa aproveitar da melhor forma este momento. Paredes coloridas, brinquedoteca contadores de história tanto para as crianças quanto para as mamães.
Uma experiência em uma ala pediátrica com pacientes terminais, tudo isto existia, cenas que eles mesmos escolhiam, nunca falavam em morte e nem perguntavam sobre a criança que não voltava mais ao quarto.
Uma ocasião uma criança ficou fora por trinta dias para realizar exames sendo necessário o isolamento. Percebi que a menininha observava tudo com estranhamento, perguntava nossos nomes. Ao retornar ao quarto, ainda nos corredores da pediatria, as crianças ficaram olhando para a menina com curiosidade, e uma delas perguntou: “como é morrer?”. E a menininha respondeu “tudo lá é igual a aqui: a mamãe, o tio Pedro, tio Renato, nossa tia das brincadeiras... Tudo igual! Só que tem uma luz azul. Deus eu não vi, e procurei muito, mas eu ouvi um barulho da respiração dele e foi bom, deu alegria”. E as crianças continuaram perguntando. Pareciam jornalistas cobrindo uma notícia em primeira mão.
Emocionou a todos e descobrimos que aquilo que as assustava, as crianças deixavam pra lá e pensavam no hoje, no dia que tinham apetite para saborear o que gostavam, um dia sem picadas. Ah! As picadas daquela grande vilã a dona agulha?
Bem, a agulha foi transformada em um túnel para transportar os super-heróis e superpoderosas, iriam disfarçadamente entrar no corpo combater o dodói. As grandes frases ao receberem estes protetores: “tia este está usando laser, arde muito. Se eu chorar o dodói vai perceber?”.
Ao que dizíamos: “pode chorar daqui a pouco a guerra diminui.”.
Outros diziam: “espada forte até eu sentido cortar” “ sentido o dodói fugindo. Este homem aranha é bom mesmo”.
Uma conversa de uma criança preparando outra para cirurgia: “fica com medo não! (exibindo sua cicatriz), eles colocaram aqui dentro um chip que me avisa tudo, mas vou te avisar: eles vão tirar uma coisa de ti, fica sem chorar porque eles devolvem coisa melhor! Acredite: a sala é uma grande espaçonave e tem até gente da lua que te faz dormir aquele soninho como se fosse no colo da mamãe, por isto não dói. Não vou mentir: depois deste soninho dói. Aí vem um extraterrestre disfarçado e faz você dormir de novo. Eles são bons!”.
As crianças têm muito a nos ensinar a sentir o invisível, a acreditar em magia. Ao vestir uma fantasia da Frozen, do Batman, Minie, Capitão América, Unicórnio, eles se transformam nestes personagens, mesmo sabendo que é um faz de conta para tudo aliviar e amenizar.
Eu mesma passei por estes momentos mágicos. Fizera um procedimento em minha testa, quando encontrei com um garoto na sala de espera de uma consulta. A cicatriz recente estava bem visível. O menininho ficava olhando em minha direção sem desviar em nenhum momento seu olhar instigador. Dei um sorriso para ele o que o incentivou a vir falar comigo. Ele disse: “tiraram seu chifre da testa, mas deixa passar a mão pra fazer um pedido, porque chifre de unicórnio ainda tem a força mesmo quando tiram... deixa, deixa Senhora Unicórnio?”.
É claro que permiti. Então ele fechou os olhinhos e passou aquela mãozinha tão fofa! Baixinho, ele disse: “não posso contar o que pedi, mas tem um pra ti, Senhora Unicórnio. Vai ser bom! Hum! Que vontade de contar...”.

Mas o médico o chamou para consulta. Dei um beijo nele que saiu todo feliz. E eu? Fechei os olhos, coloquei minha mão em minha cicatriz... Ops, no local do meu antigo chifre de unicórnio! E fiz um grande pedido, algo muito bom para ti que está lendo este texto, eu pedi... Ah! Não vou contar. Afinal, se contar não acontece!

3 comentários:

  1. Edna és uma pessoa com uma disposição linda para incentivar o envolvimento das pessoas. És inspiradora.

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  2. – O estado de espírito da narradora é de proatividade. Transmite alento e força ao leitor.
    – A história de vida da autora me revela que ela é voluntária na ala infantil de hospital. A narradora é uma observadora que interage com os fatos relatados. Entra no mundo do faz de conta infantil que dá suporte ao enfrentamento da dura realidade da criança interna num hospital.
    – A narradora aponta como local de observação “um espaço em um hospital, no qual compartilha momentos assustadores com um companheiro ao lado. Limitados a uma ala, um quarto com entra e sai de pessoas que trazem líquidos com sabores não agradáveis, agulhas que provocam dores.”
    – A narradora usou dois ângulos durante a narrativa: o de integrante de trabalho voluntário em ala de internação infantil e o de paciente.
    Como voluntária: “A empatia fez com que os adultos percebessem como este mundo é assustador e recheado de receio e medo. Mamães são preparadas para que seu filho possa aproveitar da melhor forma este momento. Paredes coloridas, brinquedoteca contadores de história tanto para as crianças quanto para as mamães.”
    Como paciente é a personagem Senhora Unicórnio que encontra, na sala de espera do hospital, um garoto que lhe diz: “tiraram seu chifre da testa, mas deixa passar a mão pra fazer um pedido, porque chifre de unicórnio ainda tem a força mesmo quando tiram... deixa, deixa Senhora Unicórnio?”.
    https://aquecendoaescrita.blogspot.com.br/2017/12/a-escrita-criativa-e-o-ato-de-observar.html

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  3. Um assunto tão sério apresentado de forma leve e delicada. A interpretação e enfrentamento com que as crianças vivem essa fase difícil é uma lição para todos nós. Lindo texto, Oleni. Emocionante.

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