domingo, 1 de julho de 2012

Ensinar a escrever poemas é uma tarefa possível? Por Edna Domenica Merola




.A aula de redação de Poesia é uma atividade pouco desenvolvida na escola, cujo ensino prioriza o pensamento cartesiano, convergente e excludente, relegando o desenvolvimento do pensamento divergente. Os projetos pedagógicos multidisciplinares, interdisciplinares e transdisciplinares comprometem-se com o  desenvolvimento do pensamento crítico e participativo. O resgate da poesia pela escola demanda a opção por projetos que não isolem as disciplinas e não confinem os saberes.  Para dissertar sobre o tema, seria necessário explicar como o ensino da poesia pode contribuir para a necessária humanização das relações sociais, ainda que, paradoxalmente, a poesia pertença ao âmbito do indivíduo. No entanto, pretende-se apenas registrar um testemunho: ensinar a escrever poemas é uma tarefa possível, destinando-se a aprendizes de qualquer idade.
A apresentação gráfica de um poema é vertical, podendo, por esse critério, ser facilmente diferenciada da prosa. A linguagem poética é icônica e sintética, opondo-se nesse sentido à linearidade da prosa. A poesia utiliza linguagem analógica e metafórica, opondo-se ainda à prosa que se inclina a aparentar o lógico, a imitar a realidade e a inventar o verossímil. Além de ser algo diferente da prosa, o que define a poesia para o aprendiz? Os poemas cantados podem contribuir como instrumentos de aprendizagem de ritmos e rimas.
Jogos dramáticos de cunho psicopedagógico podem ajudar na percepção de que a feitura e a leitura poéticas são emocionais e relacionais (o que equivale a dizer, na linguagem de Buber, que pertencem ao âmbito da "relação eu-tu"). A prática pautada nesse tipo de jogo dramático encontra-se em duas publicações de MEROLA, Edna a saber: Desbloqueio da Expressão e Técnicas de Redação (Revista da FEBRAP, vol. 4, 1983); Aquecendo a Produção na Sala de Aula (2001).
Mas para entender o que vem a ser poético é preciso abrir-se a viver o inusitado, seja num laboratório ou oficina de criação, seja na experiência embutida no cotidiano (mas dela destacada).
Um poema resulta de um estado ou momento poético vivido pelo (a) escritor (a). Um momento poético é algo semelhante ao que a Gestalt terapia descreve como o processo de entrar em contato com o aqui e agora. É do âmbito do indivíduo, ainda que nunca diga respeito à personalidade civil e sim a um “eu poético”.
A linguagem poética expressa sensações, remetendo dessa forma aos sentidos humanos: audição, visão, olfato, paladar, tato. Os órgãos dos sentidos contribuem para obter sensações que se processam na mente. A volição, a atenção e o contato são as condições para o surgimento da sensação, da percepção e da consciência. Um tema é poético se traduzir a conscientização de uma experiência de qualidade estética.
Mas o que é qualidade estética? Ela é definida conforme a qualidade das respostas que as artes podem dar a um determinado momento social e cultural. Para o arcadismo valiam os temas bucólicos e pastorais; para o romantismo o amor, a morte, a liberdade; para o parnasianismo contava mais a forma do que o conteúdo, prevalecendo a concepção clássica de busca da perfeição; para os simbolistas o etéreo e o diáfano. Os modernistas incluíram os temas cotidianos. Nas concepções canônicas os efeitos da poesia são estéticos, devendo provocar deleite e sublimação. Nas concepções contemporâneas o ‘feio’ e o ‘impuro’ comparecem como elementos estéticos. Prevalece a noção de que o jogo poético tenha função humanizadora e que contribua para a construção do pensamento divergente (inclusivo e criativo).
No primeiro semestre de 2012, ao realizar oficinas de criação poética, num centro comunitário em Florianópolis, pesquisamos alguns efeitos de intervenções didáticas utilizando relaxamento, mentalizações de cores e sons. As oficinas tiveram por objetivos as práticas da rima, da aliteração e da musicalidade. Na síntese da unidade temática sobre poesia ocorrida nas referidas oficinas, os participantes apontaram como importantes na construção poética: a ativação de emoções no eu poético; a expressão de sensações e sentimentos pela utilização de ícones; o uso da linguagem metafórica.


Sexta-feira, 26 de julho de 2013.Oficinas de Poesia: Planejamento. 

Oficina literária realizada pela professora Edna para as alunos do semestre 2013.2
Recurso didático usado no encontro: Técnica do Remador. No primeiro encontro de curso de Poesia a ocorrer no segundo semestre de 2013, tivemos por tarefa nos conhecer enquanto pessoas leitoras e escritoras de poemas para afinar o planejamento que já se esboçara ao término do semestre anterior. A professora Edna organizou questões sobre as definições dos principais conceitos relativos ao tema. Utilizamos um ‘cartaz’ para cada item a ser definido. Foram eles: diferenças entre a apresentação gráfica de um poema e um texto em prosa. Diferenças entre linguagem poética e linguagem ‘científica’. O que é “momento”poético? O que é “eu poético”? Defina poema, verso, estrofe, ritmo. O que a poesia tem a ver com os cinco sentidos, com sensações, sentimentos, emoções? Defina poesia.
Os cartazes foram passados às mãos de cada participante para ao final obter o registro das expressões de todos os participantes sobre a poesia. A construção grupal inicial foi apreciada por meio de leitura em voz alta do contido em todos os ‘cartazes’.
Segundo o Mini Dicionário Aurélio da Língua Portuguesapoesia é a "Arte de criar imagens, de sugerir emoções por meio de uma linguagem em que se combinam sons, ritmos e significados".
Prosa: “série de palavras dispostas sem obediência a metro nem a rima.”.
Rima é a “uniformidade de sons na terminação de duas ou mais palavras”. É a “repetição do mesmo som, no fim de dois ou muitos versos.”
Os versos podem ser rimados de várias maneiras. 
A oitava rima: é a estância de oito versos em que os pares rimam entre si e os ímpares também, exceto o sétimo verso que rima com o oitavo.
A rima alternada: é aquela em que os versos pares e ímpares rimam respectivamente entre si.
A rima consoante: é aquela em que desde a vogal da sílaba predominante há perfeita semelhança de som.
A rima emparelhada: é a que faz rimar dois versos seguidos.
A rima encadeada: é a rima do final de um verso com o meio do verso seguinte.
A rima interpolada: é aquela em que dois versos que rimam têm de permeio de um até seis versos.
A rima pobre: é aquela em que as palavras têm a mesma categoria gramatical.
A rima rica: é aquela em que as palavras são de categorias gramaticais diferentes.

A rima toante: é aquela que só existe na igualdade das vogais a partir da sílaba predominante.

Terça-feira, 30 de julho de 2013. Primeiras Linhas do Diário de Suor Camoniano da Oficina Literária do NETI.
Camões não escreveu os Lusíadas em um só dia... Obra com cerca de nove mil e duzentos versos.
Há também os poetas que burilam um único soneto (14 versos) durante dias e até meses.
Pensando na prática da "qualidade sempre" (quer com quantidade ou sem), optei, didaticamente, por tentar instalar  nos participantes da Oficina de Criação Literária o conceito de sílaba poética, praticando o uso da métrica. Propus o exercício de registrar pelo menos uma linha poética, diariamente. Lembrando que os versos dos Lusíadas são decassílabos heróicos, verificamos que é necessário também ordenar as palavras de tal modo que a sexta e a décima sílabas sejam tônicas. Sílaba Poética é a menor parte rítmica do verso. Pode corresponder ou não à divisão de sílabas gramaticais: é escolha do poeta. A contagem do total de sílabas é feita a partir da primeira sílaba (átona ou tônica) da primeira palavra do verso, até a última sílaba tônica da última palavra do verso. A professora Edna Domenica Merola enviou aos alunos os seguintes versos para desencadear a tarefa:
“Agora escrevo em versos decassílabos
Diário de suor camoniano”

Quinta-feira, 29 de agosto de 2013.
Dialógica: o Poema e o Poeta. O "Eu poético". O Momento Poético.

Em Autopsicografia, Pessoa descreve como é ser poeta.

Autopsicografia. Fernando Pessoa.

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda.
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.


No poema Não sei quantas almas tenho, o poeta Fernando Pessoa descreve a experiência de viver os múltiplos"eus poéticos".

Não sei quantas almas tenho. Fernando Pessoa.

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: “Fui eu?”
Deus sabe, porque o escreveu.


No poema Todas as Cartas de Amor o poeta Fernando Pessoa descreve a experiência da autoria poética. Mostra a relação entre o texto a ser lido por outrem (poema) e o seu autor (poeta)

Todas as cartas de amor…
Fernando Pessoa
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.).

REFERÊNCIAS

BUBER, M. – Do Diálogo e do Dialógico – São Paulo: Perspectiva. 1982.

HOLANDA, A. Mini Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Disponível em http://www.dicionariodoaurelio.com

MEROLA, E. Desbloqueio da expressão e técnicas de redação através do jogo dramático.
Anais do IV Congresso Brasileiro de Psicodrama. Revista Brasileira de Psicodrama, São Paulo,
v. 1, n.4, p. 20-30, 1984.
_____________ Aquecendo a Produção na Sala de Aula. São Paulo: Nativa. 2001.


PESSOA."Fernando Pessoa - Obra Poética", Cia. José Aguilar Editora - Rio de Janeiro, 1972, p 164.

STEVENS, J. O. Isto é Gestalt. São Paulo: Summus Editorial Ltda., 1975.

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