sexta-feira, 28 de outubro de 2022

A organicidade temática em Do corpo ao corpus. Edna Domenica Merola








Do corpo ao corpus e a organicidade temática 

Uma coletânea escrita por diferentes autores e que possui organicidade de enredo: eis o grande diferencial de Do corpo ao corpus

 A organicidade de enredo e de personagens

“Composto por diferentes autores e autoras, de gerações outras, a coletânea Do corpo ao corpus apresenta uma organicidade de enredo e personagens que, desavisados, concluirão se tratar de um único escritor ou escritora.”. (SOUZA, Rogério, p 12).

Personagens

“Mesmo nas escritas curtas, as personagens apresentam uma profundidade psicológica e são encantadoras, cativando rapidamente os leitores.” (SOUZA, Rogério, p 12).


Enredo

“A perda de cabelo, a insatisfação com os pés grandes, o beijo forçado dos irmãos siameses, a tatuagem na mão direita de um jovem triste, etc., ficcionalizam marcas e dores no corpo como metáfora de uma sociedade que, hipnotizada pelas imagens do Tik Tok e Instagram, valoriza, em demasia, o aparecer no lugar do ser.” (SOUZA, Rogério, p 11).

Lê-se em Autoimagem:

“Uma das confissões foi: odiava os próprios pés. Calçava 41. Falava pra mim que detestava comprar calçados, que quando os calçava e se olhava no espelho da loja, se sentia como um daqueles palhaços de circo usando sapatos enormes, desproporcionais. [...] Falava empolgada da “cirurgia da Cinderela”, até descobrir que o procedimento pouco influenciaria na numeração que ela usava. Falei que ninguém reparava no tamanho dos seus pés, [...] - Eu reparo! - dizia ela, encerrando o debate.” (SILVEIRA, p 101).

 Lê-se em Na mão direita:

"Olho para suas mãos e vejo uma tatuagem que cobre a pele de sua mão direita. Evito que ele perceba minha admiração até porque não somos próximos, e não posso deduzir o motivo pelo qual ele tenha feito aquela tatuagem imensa.

Tenho um impulso muito forte de querer saber um pouco da sua vida. Algo perdido no ar me afirma que aquele quase menino traz consigo uma intensa marca de dor.” (NOBRE, p 69).

A esperança

“Enxerga-se, no olho de algumas personagens, a esperança em superar momento não imaginado nas ficções mais inventivas.” (SOUZA, Rogério, p 11).

Lê-se em Devaneios de um instante:

“Luta desigual: sobrevivência versos fenômenos naturais. Apesar das condições impróprias o seu rosto transmitia alegria, dignidade e esperança.” (SOUZA, Rosilene, p 55).

Lê-se em Aquele doce beijo tatuado no desejo:

“Nem sei como enfrentar esse quase não existir e que mesmo assim, quase inconcebível, acolho como dádiva única. Espero é de esperança amorosa.” (GIL NETO, p 41)


Introspecção

“Em alguns textos ouve-se a voz de Clarice Lispector” (SOUZA, Rogério de, p 12).

Lê-se em Aquele doce beijo tatuado no desejo:

“A solidão vai me confessando. É que no silêncio, apreendo as minhas inconfissões mais plausíveis. Vou aprendendo-me em rodas, geringonças, insensatez. Inauguro-me em resistências e abro trilhas de me redescobrir nos mal feitos. Me construo nesse vulcão, nas labaredas das palavras silenciosas que se entregam ao fluir das mutiladas emoções, mas que se apagam no brilho dos seus olhos. Que ainda brilham no céu de tanto arrebatamento. No espelho que ancora esse ínfimo presente posso reconstruir-me assim. O que vivo é meu andaime. Meu corpo sobrevive a tantas almas, ranhuras, cortejos.” (GIL NETO, p 42).


Ficção e sonho

“A tese que a ficção deve agir como um sonho aparece em alguns textos, com figuras mágicas” (SOUZA, Rogério de, p 12).

Lê-se em Devaneios de um instante:

“Passava os dias, tardes, noites bailando tal qual uma sereia, só que vestida. Ao invés de seduzir o ingênuo público com minha voz, seduzia-os com a minha dança. No lugar do mar, um aquário. Os espectadores ficavam extasiados, encantados, com a minha pessoa. Via os olhares brilhantes, cobiçosos, estarrecidos, incrédulos, invejosos, furiosos... Olhos, sempre olhos a me despir e a me cobrir. Algumas miradas ficaram impressas nas minhas retinas molhadas, ora de lágrimas, ora pela água do aquário.” (SOUZA, Rosilene de, p 55).

Extraordinário

“Diferentes contos - que em alguns momentos se aproximam da crônica social, apresentam o ordinário e comum de forma única, transmitindo, sem assustar, que o extraordinário pode aparecer em acontecimentos simples, como num devaneio sobre a batata da perna - desde que estejamos sensíveis para olhar ao nosso redor.”. (SOUZA, Rogério, p 12).

Lê-se em Barriga da perna:

“Sentei. Olhei para barriga da perna e vi o tempo. Músculos flácidos, sem massa, procurando apoio contra a força da gravidade.” (MOTTA, p 81).

Lembranças

“Aliás, a lembrança enquanto sujeito arrebatador atravessa muitas escritas. Lembranças dos ensinamentos da avó. Lembranças do momento atual daqui há 10 anos. Lembranças da leitura de um romance. Lembranças da ditadura civil-militar no Brasil. Tudo muito sentimental, mas sem ser sentimentalista.”. (SOUZA, Rogério, p 12).

Lê-se em Nunca iria contecer com você:    

“E você recupera na memória os fatos amargos que teve que testemunhar durante a ditadura militar: as máxis desvalorizações da moeda nacional; os depósitos compulsórios para sair do país; as censuras de peças teatrais, filmes e livros; a prisão e o exílio de Caetano Veloso e Gilberto Gil; a “mudança” de Chico Buarque para a Itália; o silêncio triste que imperava nos barracões da Filosofia no campus da USP, nos anos 1970; a obrigatoriedade da Educação Moral e Cívica ou dos chamados Estudos dos Problemas Brasileiros; que anulou o voto durante muitos anos porque só havia a ARENA e o MDB; que votou pra presidente pela primeira vez aos 36 anos de idade.” (MEROLA, p 89).

Lê-se em Brasil 2033:

“Esta história se passa num encontro de professoras aposentadas, no ano de 2033.

Após várias tentativas frustradas de reunir o grupo, finalmente o encontro aconteceu no final da tarde, de uma quinta-feira, no apartamento da Bel.” (POMPEU, p 73).

O amor

Lê-se em Aquele doce beijo tatuado no desejo:

 "O meu corpo pulsa na ardência de algo de voo. Algo que flui e arrebata. Mesmo que efêmero." (GIL NETO, p 41). 

Lê-se em  Relatos de um amor livre:

"O amor é tudo: é sexo, é conversa, é aprender com o outro." (SILVEIRA, p 36).


Lê-se em Minha avó:
"O amor por plantas [...] se mantém como raízes das nossas memórias familiares. Levo como marcas tatuadas os bons e grandes exemplos de minha avó." (
NOBRE, p 60).

 A magia do escrever

“Enxerga-se, no olho de algumas personagens, a esperança em superar momento não imaginado nas ficções mais inventivas. Porém, uma marca persistirá. A magia do escrever. Axé!” (SOUZA, Rogério de, p 13).

Lê-se em  Caminhar e ...

“Escrever é praticar magia...

Tirei da cartola da vivência: lata de lixo, parque de diversões, lentes, gato, dunas, buraco de ponte feito a boca da Bernunça, ao invés de coelhos. Foi assim que o mágico do circo que havia na Vila Independência, nos anos 1950, foi morar num haicai:

Na cartola feia,

coelhos enganam olhos

qu’ alva luz tapeia.” (MEROLA, p. 88).

 

 REFERÊNCIAS

Do corpo ao corpus. GIL NETO, MEROLA, MOTTA, NOBRE. SILVEIRA. POMPEU, SOUZA Rogério, SOUZA Rosilene. ISBN 978-65-87264-99-8. SC, 2022, pp 11,12,13, 36, 41,42,50, 55, 60, 69,73,81,83,88,89,101,105.