terça-feira, 21 de abril de 2015

O Romance de Amadis. Edna Domenica Merola.




A obra O Romance de Amadis foi indicada para leitura como parte dos estudos da disciplina Literatura Portuguesa (ministrada pelo professor Jair Zandoná, CCE - UFSC, 2015.1). Foi escrita por Afonso Lopes Vieira, no verão de 1922, em São Pedro de Moel (cidade da Marinha Grande, distrito de Leiria).

Afonso Lopes Vieira (1878-1946), natural de Leiria, bacharelou-se em Direito, pela Universidade de Coimbra, em 1900. Foi pesquisador da Renascença Portuguesa e do Neogarrettismo (Almeida Garrett). Politicamente foi integralista: colocando-se contra o colonialismo português.

Em Éclogas de Agora assim se coloca o poeta:


Que o Pastor que chamamos
assim como eles seja:
que respeite sem quebra
as nossas liberdades,
lembrando-se do verso que falando
Da Lusitana antiga liberdade
nos dá tamanha honra;
que toda a usura açaime
e o trabalho defenda;
que ame a lavoura, donde
um povo inteiro vive;
que não chame às províncias
do Além-mar colônias,
o que já é perdê-las
;
(LOPES VIEIRA, 1935).

Afonso Lopes Vieira participou de várias revistas a ex. de Lusitânia: revista de estudos portugueses (1924-1927), dirigida por Carolina Michaëllis de Vasconcelos – também autora do prefácio do Romance de Amadis, publicado, em 1923.

O romance como criação medieval em língua românica faz parte da tradição e transmissão oral, é de autor anônimo. Como forma literária moderna designa uma composição em prosa e impressa. 
Amadis de Gaula é um dos primeiros romances de fantasia épica ou romance de cavalaria.
Decorre de narrativas levadas pelos “troveiros” anglo-franceses à corte de D. Dinis em sua mocidade ("aclamado" em 1279, Lisboa). Sua criação original é atribuída pelos estudiosos portugueses a Vasco de Lobeira.
Afonso Lopes Vieira escreveu a quarta redação da “narração das proezas e aventuras do primeiro e modelar cavaleiro andante das nações peninsulares”, reconduzindo-a “à sua forma primitiva, verdadeiramente portuguesa”. (MICHAËLLIS DE VASCONCELOS, 1923).
Afonso Lopes Vieira parte da tradição literária medieval conservando as características dos personagens tais como rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda. Tece a narrativa de aventura voltada para a exploração e a conquista cujas características são episódicas, ou seja, um novo conflito acontece a cada momento. Mostra um herói que luta por ideais nobres: suas atitudes e ações são corajosas ou altruístas.
A alma portuguesa é retratada em Amadis: “casto", “leal”, “bem amador” e o “ser português pelo lirismo tão bem revelado na combinação preciosa entre a alma suave e a valentia heroica.” (MICHAËLLIS DE VASCONCELOS, 1923. P XXXIV). Entre “audácia e heroicidade a toda prova, em perigos e guerras, e, na paz, de mesura discreta, suave melancolia e sentimentalidade meiga” (MICHAËLLIS DE VASCONCELOS, 1923. P XXIII- P XXIV).


Personagens  e o espaço narrativo dos episódios.


A pesquisadora Graça Videira Lopes estudou o espaço do romance e a verossimilhança. Ao analisar o espaço geográfico tecido ficcionalmente em Amadis de Gaula, defendeu que essa tessitura comparece como recurso para imprimir verossimilhança aos fatos narrados.
O “espaço do romance de cavalaria está ancorado [...] num mundo que corresponde, em grande medida, à imagem possível que o leitor medieval tinha       desse mundo.




[...] "Gales, Pequena e Grande Bretanha, Escócia, Dinamarca: eis-nos perante o que pode ser considerado uma ficção geograficamente verossímil.”
 “Amadis de Gaula leva no seu nome a sua origem paterna – filho de Periom, rei da Gaula, nome, [...] que poderá corresponder tanto a Wales, Gales, como a um    semi-mítico reino de Gaula, que a Idade Média situava na Pequena Bretanha. Do lado materno, as suas origens geográficas são próximas: nascido na Pequena Bretanha, dos amores ilícitos deste rei Periom com Elisena, filha do rei bretão.”
 “A infância passa-a na Escócia [...] O seu suserano, senhor de toda a vida, e pai da sua dama Oriana, é Lisuarte, rei da Grã-Bretanha, cuja corte está situada em Londres (e que é igualmente genro do rei da Dinamarca). 
O canal da Mancha é [...] um canal de ligação, intensamente cruzado, entre terras política e culturalmente próximas.” (LOPES).
Aplicando esse enfoque de Graça Videira Lopes para acompanhar a trajetória do personagem Amadis e localizá-lo geograficamente é que fazemos algumas citações, a seguir.
Amadis é ‘consagrado’ cavaleiro na Escócia (LOPES VIEIRA. 1923. P 59-60).
Suas proezas e aventuras como cavaleiro andante incluem: serviu El rei Perion na guerra de Gaula, quando “Desbaratou Abies de Irlanda”. Venceu Dardan o soberbo “o mais fero cavaleiro da Grã Bretanha”.
Essa ancoragem será suficiente para que os episódios fantásticos ganhem destaque, tal como: Amadis converteu Madarque, o gigante, na Ilha Triste. (LOPES VIEIRA, 1923. P. 178)... A caminho de Constantinopla, matou o demoníaco Endriago que tinha “o corpo veloso e escamoso, a modo de rocha felpuda; corria voante como touro alado em asas de morcego, chamejando pela guela peçonha de vapores; e todo o seu prazer era devorar gente, da qual pouca restava” na Ilha do Diabo (LOPES VIEIRA. 1923. P. 180).
Além dos geográficos, valem também aspectos históricos, na tentativa de tornar verossímil aquilo que é narrado, como em: Amadis ganhou a Ilha Firme que fora de Apolidon. (LOPES VIEIRA. 1923. P 116).
No entanto, há episódios despidos dessa verossimilhança. Tal é o cap. XI – Briolanja. Essa história traz a ‘tradição literária’ que será ironizada por Cervantes, em 1605, com Dom Quixote de La Mancha. Amadis vai ao Castelo de Grononesa e serve Briolanja na guerra para reaver o reino que era dela. (LOPES VIEIRA. 1923. P 108). Amadis apenas deseja servir à princesa sem nada querer em troca. Briolanja é quem se apaixona pelo herói. Amadis continua fiel a Oriana.
Esse altruísmo fantástico do cavaleiro medieval corrobora em sua participação na ideologia do Bem em oposição à do Mal. É nessa perspectiva maniqueísta que o romance contempla o tema do Cavaleiro Negro X o Cavaleiro Branco (LOPES VIEIRA. 1923. P 79).
O fantástico caráter do cavaleiro medieval revela-se, portanto, na capacidade de amar e ser fiel.




No Cap. IX do Romance de Amadis – A Coroa e o Manto – o rei Lisuarte comete ‘o pecado da cobiça’ e depois sofrerá desagradáveis consequências.

O objeto cobiçado pelo rei Lisuarte (ou gênero masculino) é a coroa. Seu sentido essencial deriva do da cabeça. A coroa não só se encontra na parte mais alta do corpo (e do ser humano), como também a supera. Conota a própria ideia de superação. A coroa é o signo visível de um sucesso, de um coroamento, que passa do ato ao sujeito criador da ação.





O objeto cobiçado pela Rainha (ou a mulher) é o manto que simboliza, por um lado, sinal de dignidade superior; por outro, estabelecimento de um véu de separação entre a pessoa e o mundo.
As pedras preciosas como adorno significam riqueza. A mulher é o tesouro precioso que deve ser guardado, escondido ou emparedado.

O rei Lisuarte é enganado por Arcalaus “um arte-mágico, votado às malas-artes e em más obras useiro”. “Barsinan, senhor de Sansonha, e homem tredo” (traiçoeiro) entrega os objetos para o rei, ‘em confiança’, quer dizer que poderia pagar ou devolver. Mas na hora de cumprir o trato, o rei “achara a arqueta vazia, inda que cerrada estava” (LOPES VIEIRA. 1923. P. 92, 98). Como reembolso forçado o rei Lisuarte entrega sua primogênita Oriana ao traiçoeiro.
Posteriormente, Oriana será resgatada por Amadis.
Após o resgate de Oriana das mãos dos cavaleiros maus, Amadis nada pede em troca ao rei, pai dela, confirmando devotar amor desinteressado e verdadeiro à sua amada.

O tema do amor idealmente verdadeiro dá provas públicas de sua veracidade conforme retratado no cap. XVI ‒ A Espada e a Guirlanda (LOPES VIEIRA. 1923. P 162- 163). 
Os objetos mágicos – que só funcionam se o amor for ‘perfeito’– são levados ao rei Lisuarte pelo escudeiro grego Macandon. Tanto a espada como a guirlanda são predicativos da vida heroica. A espada representa a luta e ainda conota o próprio‘falo’, ou seja, a potência e virilidade ou a força masculina. A guirlanda representa a glória que é o resultado da vida heroica que tem por continente a mulher, isto é, os louros da vitória são acolhidos e preservados pela figura feminina – responsável nesse contexto pela reprodução.



Beltenebros (Amadis) e Oriana participam do torneio sob disfarce e vencem: “Então adiantou-se Beltenebros, levando pela mão a bem-amada: e, pegando na espada, arrancou-a da bainha!” (LOPES VIEIRA. 1923. P 167). “Então adiantou-se a dama de Beltenebros, levada pela mão do seu amado: e quando a pôs na cabeça – toda a guirlanda floriu!” (LOPES VIEIRA. 1923. P168). A ‘florada’ (o amor idílico) antecede os frutos (procriação) que garantem a continuidade na terra, mesmo após a morte.
Prosseguindo com temas relativos aos Contos ‘de fadas’ ou tradição oral há ainda a questão do herói, sua sina e sua fada madrinha. “Uma vez, ia Gandales seu caminho e apareceu-lhe uma donzela que lhe disse:
– Ai, Gandales! Se muitos senhores soubessem o que eu sei, cortavam-te a cabeça... [...] por que em tua casa guarda a morte deles. [...] Digo-te que aquele que achaste no mar será a flor da cavalaria: fará tremer os fortes, humilhará os soberbos, defenderá os agravados, e tudo obrará com honra. [...]
– Ah! Senhora, dizei-me quem sois!
– Sou Urganda a Desconhecida, mas não me busques que não me acharias. E, ao passo que assim dizia, de moça formosa se mudou em velha trôpega. Isto vendo, teve Gandales a Urganda por uma daquelas mulheres que possuem saber de sortes e encantamentos, conhecem a virtude das palavras, das águas e das ervas, e guardam o segredo de manter mocidade, beleza e poderio.” (LOPES VIEIRA. 1923. P 39-40).
 [E] “contou-lhes Gandales a história de aquele donzel [...] e também o que dissera Urganda, que o bom senhor tinha por fada”. (LOPES VIEIRA. 1923. P 46).
A expiação é um dos valores importantes pra o cristão. É nessa perspectiva que à primeira reprimenda de Oriana que o herói Amadis assume a vida penitente. A dor amorosa enfraquece o herói (desesperança). Assume a prática da humildade e do afastamento da corte, da guerra e das glórias.
O herói abre mão de seu nome (linhagem, glória, feitos, beleza) e assume o nome Beltenebros para sua vida de penitência na Penha Pobre.
A condessa Corisanda, viajando em uma nau que aporta em Penha Pobre, ouve Amadis cantar a canção de amor que fizera a Oriana.
Dias após, Corisanda canta-a no castelo do rei Lisuarte (pai de Oriana). Mabília reconhece a canção – Cantiga de Amor – Senhor genta, (LOPES VIEIRA. 1923. P 172-174). E revela a Oriana que Amadis está vivo.
Os personagens desse episódio – o herói e o monge – fizeram ‘tradição literária’ a ex. de: O Conde de Monte Cristo ‒ romance da literatura francesa escrito por Alexandre Dumas (1844). É frequentemente incluído nas listas de livros mais vendidos de todos os tempos.
Comparece ainda no Romance de Amadis outro tema recorrente do romance (e também da obra O Conde de Monte Cristo) que é o casamento de interesse.
Pode-se ler na fala do Conde Argamon (tio do rei) sobre o pedido de casamento do Imperador de Roma para Oriana uma explicação de como se dava a sucessão nas famílias da realeza. O conde é descrito como uma pessoa idosa, ou seja, é apresentado como um conselheiro que diz: “tal casamento não era de razão se o não desejava Oriana, e que ele suspeitava que a infanta não era leda de se alçar por (isto é, não estava contente de se promover a) Imperatriz; e que por esse casamento perdia ela o reino de que era herdeira e de direito lhe pertencia, de sorte que, mandando-a ao Imperador, El rei Lisuarte a deserdava e dava coroa a Leonoreta; que também tal casamento vinha por o reino em perigo, pois o Imperador, por morte de sua mulher, poderia julgar-se com direitos a esta coroa, e em verdade poderia vir a tê-los; e que sendo o Imperador poderoso como era, sem grande trabalho o reino viria tomar.” (LOPES VIEIRA. 1923. P. 198).
Nessa perspectiva um casamento era uma aliança entre famílias ou grupos de cavaleiros. As uniões eram negócios que deveriam ser muito bem estudados. O que parece a princípio um bom negócio pode se tornar uma péssima empreita, levando-se em conta que o pedido de casamento partira de um imperador e estrangeiro.
O romance de Amadis remonta, assim, ao período final da Idade Média em que os monarcas europeus eram suseranos e os cavalheiros seus vassalos. O caráter português e a noção de linhagem comparecem como fator que delineia caminhos histórico-culturais peculiares.

REFERÊNCIAS

CIRLOT, Juan-Eduardo. Dicionário de Símbolos. Tradução de Rubens Ferreira Frias. São Paulo: Centauro, 2005.
LOPES, Graça Videira. Geografias Imaginárias Espaço e Aventura no Amadis de Gaula. 
VASCONCELOS, Carolina Michaëllis de. Prefácio de O Romance de Amadis. Lisboa: Sociedade Editora Portugal-Brasil. 1923. PP XIII-XLI.
CORREIA, Rita (05 de Novembro de 2013). Ficha histórica: Lusitânia: revista de estudos portugueses (1924-1927) (pdf) Hemeroteca Municipal de Lisboa. Visitado em 03 de Dezembro de 2014. (Postado em: Wikipédia).
VIEIRA, Afonso Lopes. O Romance de Amadis. Lisboa: Sociedade Editora Portugal-Brasil. 1923.
_______________Afonso Lopes Vieira Poeta Integralista. Éclogas de Agora. Angelfire. http://www.angelfire.com/pq/unica/il_alv_poeta_integralista_eclogas_de_agora_2.htm