Faz um ano, foi numa terça-feira, em 05 de março de
2013, que escrevi nesse mesmo blog:
A efeméride que merece ser comemorada e até ser objeto de tarefa para inocentes criancinhas somos nós: gente de todas as idades, gente plena de pluralidade. Gente que cultiva a esperança de que "amanhã será outro dia...”
A efeméride que merece ser comemorada e até ser objeto de tarefa para inocentes criancinhas somos nós: gente de todas as idades, gente plena de pluralidade. Gente que cultiva a esperança de que "amanhã será outro dia...”
À essa afirmação pró humanismo, no âmbito pedagógico,
acrescento hoje que somos seres naturais e, portanto, de natureza cíclica. Defendo, portanto, uma
prática pedagógica que exercite a percepção com alteridade. A exemplo da audição dos ruídos da estação do ano ou de uma letra de música que a ela nos
remeta tal como: Águas
de Março. Tom Jobim.
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol
É peroba do campo, é o nó da madeira
Caingá, candeia, é o Matita Pereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira
Caingá, candeia, é o Matita Pereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira
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São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração.
É a promessa de vida no teu coração.
Vivendo o final do verão, e pensando na rima entre
madeira e pereira – nos versos 1 e 2 da segunda estrofe de Águas de Março – imagino
uma cena em que um lavrador, ao chover, reflete sobre a vida, olhando o nó da madeira, e
extrai da imaginação uma história de 'causar' medo ou tira da memória a narração de uma lenda como:
MATINTA PEREIRA
MATINTA PEREIRA
Bem no meio da noite, um assobio agudo tira o sono de
todos e assusta as crianças! Os mais velhos sabem do que se trata: é Matinta
Pereira que veio pedir fumo. Se o dono da casa demora a acordar, alguém deverá
chamá-lo urgente! Ele deverá prometer tabaco, logo que ouvir o assobio, e dizer:
– Matinta, pode passar amanhã aqui para pegar seu fumo.
No dia seguinte, uma mulher idosa que veste uma roupa
escura e velha aparece na residência onde a promessa foi feita, a fim de
apanhar o fumo. Anda sempre com um pássaro agourento: o ‘rasga-mortalha’. Ela é uma pessoa do lugar que carrega a maldição de
'virar' Matinta Perera: à noite transforma-se no ser que assombra
e amedronta as pessoas.
Matinta, quando está para morrer, pergunta:" Quem
quer? Quem quer?" Alguma mulher
responde "eu quero", pensando que ganhará alguma joia... Mas recebe por
herança a sina de ‘virar’ Matinta Perera.
Imagino outra cena semelhante em que o
lavrador e narrador está noutro extremo do país e lembra: O saci (lenda do
sul brasileiro). Saci-pererê, também conhecido como matimpererê ou matita
perê – é um personagem folclórico similar à Matinta Pereira. Teve sua origem
presumida entre os indígenas da Região das Missões, no Sul do país, de onde
teria se espalhado por todo o território brasileiro.
Em 1917, Monteiro Lobato propôs
aos leitores do "Estadinho", suplemento do jornal O Estado de São
Paulo, do qual era colaborador, que enviassem cartas contando tudo o que
soubessem ou tivessem ouvido falar sobre o mito do Saci-Pererê.
Especificamente, pedia respostas a três perguntas:
1. Qual a concepção pessoal do leitor sobre o Saci; como o recebeu na sua infância; de
quem recebeu; que papel representou tal crendice na sua vida, etc.
2. Qual a forma que a crendice assumira na região do país em que o leitor vivia.
3. Que histórias e casos interessantes o leitor conhecia a respeito do Saci.
O inquérito recebeu dezenas de
respostas, que apresentaram tons variados. Muitas traduziam uma nostalgia da
infância passada em fazendas do interior de São Paulo e Minas Gerais, outras
atribuíam a crença no Saci ao pensamento exclusivo da população rural.
Pesquisas semelhantes à de Lobato
são atividades adequadas para o início do ano letivo. Assim como a pesquisa
sobre as áreas de riscos de deslizamentos causados por chuvas, as instalações
de para-raios nas escolas públicas, etc.
Pensar as conexões entre redes que podem ser
consideradas distintas, tais como ...– sonho
e realidade; mundo subjetivo e mundo objetivo; brincareira e conhecimento –
... deveria
interessar a nós educadores, visto que consideramos ser possível ... enriquecer o trabalho cotidiano
da sala de aula. (SOUZA.2009. P 137).
Medos reais contemporâneos ou
medos ancestrais sob o viés da ficção são importantes na prática pedagógica
voltada para o ‘mistério profundo’ da ‘promessa
de vida no teu coração’.
Referências
LOBATO, Monteiro. Mitologia Brasílica – Inquérito
sobre o Saci-Pererê. Jornal o Estado de São Paulo. 1917.
MEROLA, Edna http://aquecendoaescrita.blogspot.com/2013/03/a-didatica-das-efemerides-uma-licao-e.html
SOUZA, Anervina. As Lendas Amazônicas em Sala de Aula.
Manaus: Editora Valer, 2009.