domingo, 21 de setembro de 2014

Soneto e Acróstico em Oficinas para Qualquer Idade. Edna Domenica Merola.

Aulas de poesia são ainda pouco usuais. Para reverter tal situação seria necessário explicar como o ensino da poesia pode contribuir para a necessária humanização das relações sociais, ainda que, paradoxalmente, a criação poética pertença ao âmbito do indivíduo. No entanto, pretende-se,aqui, apenas registrar um testemunho: ensinar a escrever poemas é uma tarefa possível, destinando-se a aprendizes de qualquer idade.
O planejamento de aulas de escrita poética tendem a se beneficiar do formato de prática. No entanto, não se trata de prática mecânica. É necessário que as aulas sejam práticas reflexivas. 
Para tal, algumas indagações são necessárias: o que é um poema, o que é poesia? Os autores de textos verticais sem rima e métrica fixa são poetas?
Quando incluir o soneto em uma programação? Quando incluir o acróstico?
Poemas são composições poéticas. Mas o que quer dizer poético? Se já experimentou e já redigiu versos ou 'prosa poética' sabe do que se trata, ainda que não o tenha expressado de forma didática.
A apresentação gráfica de um poema é vertical, podendo, por esse critério, ser facilmente diferenciada da prosa. A linguagem poética é icônica e sintética, opondo-se nesse sentido à linearidade da prosa. A poesia utiliza linguagem analógica e metafórica, opondo-se ainda à prosa que se inclina a aparentar o lógico, a imitar a realidade e a inventar o verossímil. Além de ser algo diferente da prosa, o que define a poesia para o aprendiz? Os poemas cantados podem contribuir como instrumentos de aprendizagem de ritmos e rimas.
Jogos dramáticos de cunho psicopedagógico podem ajudar na percepção de que a feitura e a leitura poéticas são emocionais e relacionais (o que equivale a dizer, na linguagem de Buber, que pertencem ao âmbito da "relação eu-tu"). A prática pautada nesse tipo de jogo dramático encontra-se em duas publicações de MEROLA, Edna a saber: Desbloqueio da Expressão e Técnicas de Redação (Revista da FEBRAP, vol. 4, 1983); Aquecendo a Produção na Sala de Aula (2001). Mas para entender o que vem a ser poético é preciso abrir-se a viver o inusitado, seja num laboratório ou oficina de criação, seja na experiência embutida no cotidiano (mas dela destacada).
Um poema resulta de um estado ou momento poético vivido pelo (a) escritor (a). Um momento poético é algo semelhante ao que a gestaltterapia descreve como o processo de entrar em contato com o aqui e agora . É do âmbito do indivíduo, ainda que nunca diga respeito à personalidade civil e sim a um “eu poético”.
A linguagem poética expressa sensações, remetendo dessa forma aos sentidos humanos: audição, visão, olfato, paladar, tato. Os órgãos dos sentidos contribuem para obter sensações que se processam na mente. A volição, a atenção e o contato são as condições para o surgimento da sensação, da percepção e da consciência. Um tema é poético se traduzir a conscientização de uma experiência de qualidade estética.
Mas o que é qualidade estética? Ela é definida conforme a qualidade das respostas que as artes podem dar a um determinado momento social e cultural. Para o arcadismo valiam os temas bucólicos e pastorais; para o romantismo o amor, a morte, a liberdade; para o parnasianismo contava mais a forma do que o conteúdo, prevalecendo a concepção clássica de busca da perfeição; para os simbolistas o etéreo e o diáfano. Os modernistas incluíram os temas cotidianos. Nas concepções canônicas os efeitos da poesia são estéticos, devendo provocar deleite e sublimação. Nas concepções contemporâneas o ‘feio’ e o ‘impuro’ comparecem como elementos estéticos. Prevalece a noção de que o jogo poético tenha função humanizadora e que contribua para a construção do pensamento divergente (inclusivo e criativo).
É  importante na construção poética: a ativação de emoções no eu poético; a expressão de sensações e sentimentos pela utilização de ícones; o uso da linguagem metafórica.
Abordaremos duas formas de poemas: o soneto e o acróstico. A produção desses tipos de poemas são excelentes exercícios cognitivos. Sem contraindicação para aprendizes a partir das séries finais do Ensino Fundamental e ainda para idosos que apreciam desafios.
Soneto é uma forma de poema propagada por Petrarca e Camões. Anos 1500... Faz tempo, não é mesmo? Considerando que soneto é uma forma clássica, por que incluir o soneto num curso atual?
Soneto era uma composição poética para ser cantada. Era de uso popular, para quem não usava partituras com pautas musicais para anotar suas produções sonoras. Hoje temos o gravador nos nossos celulares e poderemos fazer esses registros facilmente.
Se quisermos aprender a fazer sonetos também estaremos nos preparando e nos abrindo para compor música, ainda que sem partitura... 
Você gosta de ler sonetos? Um sonetista conhecido por nós brasileiros é o Vinícius de Morais.
Você gosta de escrever sonetos? Já tentou?
Apresentamos o soneto Ouvir Estrelas de Olavo Bilac (poeta brasileiro do Parnasianismo) para apontar as rimas usadas no soneto clássico.

Apresentamos o soneto Ouvir Estrelas de Olavo Bilac (poeta brasileiro do Parnasianismo) para apontar as rimas usadas no soneto clássico.

Ouvir Estrelas

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo 
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto, 
Que, para ouvi-las muita vez desperto 
E abro as janelas, pálido de espanto... 

E conversamos toda noite, enquanto 
A Via Láctea, como um pálio aberto, 
Cintila. E, ao vir o sol, saudoso e em pranto, 
Inda as procuro pelo céu deserto. 

Direis agora: "Tresloucado amigo! 
Que conversas com elas? Que sentido 
Tem o que dizes, quando não estão contigo?" 

E eu vos direi: "Amai para entendê-las! 
Pois só quem ama pode ter ouvido 
Capaz de ouvir e de entender estrelas".


Observe que são 14 versos ao todo, divididos em dois quartetos e dois tercetos.
A primeira tem quatro versos: trata-se de um quarteto. E a segunda também.
A terceira estrofe tem três versos (é um terceto). A quarta estrofe também.
Na primeira estrofe, as rimas são do tipo ABAB. Já na segunda estrofe, as rimas são do tipo BABA. Na terceira estrofe temos rimas do tipo CDC; e na quarta: EDE.

Quanto à métrica temos versos decassílabos. Escanear um verso é contar suas sílabas, conforme segue:
O/RA/ (DI/REIS/) OU/VIR/ ES/TRE/LAS!/ CER/TO

Observe que da última palavra só se conta até a sílaba tônica (CER) e ignora-se o que sobra (TO).

A sexta e a décima sílabas poéticas são tônicas em todos os versos do poema Ouvir Estrelas. Isso também é um padrão do soneto decassílabo. 

Se você tiver interesse em começar a 'treinar' a escrita de sonetos, logo irá perceber seus efeitos. É como um exercício de quebra-cabeça que nós mesmos nos propomos. O resultado é algo melódico que algumas vezes dá para ser cantado, após sua escrita.
Um soneto tem sua sonoridade e ritmo valorizados ao ser declamado ou cantado.  Um soneto é algo propício para ser dramatizado já que sua cadência suscita a expressão corporal que o acompanhará. Sonetos são bons para saraus.

Há um quebra-cabeça bem mais simples e que muitos já fizeram com o nome de seus amores de adolescência. Essa forma é o acróstico, ou seja, qualquer composição poética na qual certas letras de cada verso, quando lidas em outra direção e sentido, formam uma palavra ou frase.
O acróstico não propõe rima e métrica fixa como o soneto (mas há alguns poetas que incluem recursos sonoros também no acróstico, dificultando um pouquinho mais sua feitura). Regra geral o acróstico valoriza o visual do poema: é para ser visto.
Veja o acróstico que fiz com a palavra ACRÓSTICO para que possa gravar:

Aprenda
Com a visão:
Rever não é
Ócio.
Socializar
Traz parceiros...
Inventar
Com dedicação é
O mister da poesia!

Em apresentações de acrósticos costuma-se levar uma cópia para cada pessoa presente poder usufruir de seu jogo 'visual'.



Referências

Dicionário On Line de Português.

MEROLA. Ensinar a escrever poemas é uma tarefa possível? Blog Aquecendo a Escrita. 2012
__________ Rimas e Métrica. Blog Netiativo. 2013.


Indicações de leituras

MEROLA. De que são feitas as Histórias. Florianópolis: Postmix. 2014.
_________ Desbloqueio da Expressão e Técnicas de Redação através do

Psicodrama. Revista da FEBRAP. Anais do IV Congresso Brasileiro de Psicodrama. 1984.


________ Aquecendo a Produção na Sala de aula. São Paulo: Nativa. 2000.






Um comentário: