Primeiro foi a fase da
negação. Repetia o slogan: um dia por vez. Não ouvia notícias sobre
números de casos e mortalidade, apoiava todas as medidas de quarentena, mas não
podia aderir a ela. Entenda que neguei que aquilo poderia me atingir,
pois fazia um bom tempo que não me expunha a aglomerações para lazer. Os
contatos sociais que exercia como provedora dos cuidados com a família não poderiam
me prejudicar... (Você já fez esse tipo de contrato com Deus? Pois é, eu
tive!).
Toquei o barco com
disposição de Ulisses. Daí veio a primeira vizinha me oferecer ajuda, disse-me
que, por ser idosa, deveria permanecer em casa.
– Queriam-me Penélope, à
revelia de Ulisses!
Você que se achava porta-estandarte,
sacou a sensação de pertencer à ala das baianas?
E veio mais outro vizinho
(agora pelo watsapp), e mais outros... Você que recentemente se conformara com
sua nova posição na Escola de Samba começou a sacar a sensação de ser uma
recém nascida prematura?
De repente numa
incubadora! (Ainda que fosse um apartamento ensolarado e ventilado, com direito
a avistar o verde.).
Uma sensação de
impotência me invadiu. De súbito, pequenas coisas do cotidiano tornaram-se enormes
dragões.
– Depressão?
– Não, falta de sol!
Fui na varanda pra tentar
contemporizar essa vida de Penélope. Acenei para o único ser vivente que vi do
lado de fora.
Perguntou-me se queria
ajuda.
– Sim – respondi. – apenas um aceno solidário.
Passamos a frequentar nossas varandas
nos dias subsequentes, com o sol da manhã.
No primeiro dia, só acenou. No
segundo, escreveu uma mensagem num cartaz. E assim procedeu nos outros dias
para exibir as mensagens de apoio à permanência na quarentena. Certo dia, usou
um megafone para mandar sua alegre mensagem. Noutro dia, dedicou uma música
para a senhora da varanda.
Até que ele desapareceu por alguns
dias. Será que voltara a passar o dia em seu local de trabalho? Ou adoecera?
Então numa manhã apareceu sem megafone.
Fez sinal de silêncio, voltou pra dentro e retornou com um cesto de bebê.
Escreveu no cartaz a melhor mensagem de otimismo:
– É menina, o nome dela é Vitória.
Cara Penélope (do conto), Sem essa de ala das bahianas, que tal escrever o enredo da escola? Abraço de seu discípulo Ivan
ResponderExcluirSim, Ivan Leitor, está mais do que na hora de nós (Penélopes) escrevermos os enredos das nossas escolas para enfrentar a negligência política frente à Saúde e a Educação (Ciência).
ExcluirLuz/esperança. E que texto bem pensado e escrito. Gratíssimo. Eu (como a minha cruz de pseudo "pensador/filósofo/ pessimista), já imaginei, no final, alguém vindo no lugar dele...uma filha, a mulher...e dizendo pelo megafone que ele partira. Claro: reflexos do isolamento (de décadas que vivo...kkk). Nas tuas mãos, Edna, virou prosa poética. Brilhante.
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