BRÍGIDA DE POLI
Seu cabelo branco brilhava ao sol que atravessava o vidro da janela. “Vó, como a senhora conheceu o nono?”- perguntei. Ela se acomodou na cadeira de balanço, sorriu e contou como se fosse a primeira vez. “ Em 2020, enfrentamos uma terrível pandemia. Não havia remédio ou vacina contra o vírus. A única forma de evitar o contágio era o isolamento. Foi difícil ficar sem trabalhar, sem ver os amigos e muito menos sua bisavó”.
Fez uma pausa e continuou: “em um dia de tédio vi no prédio em frente um homem limpando os vidros da janela. Achei graça: “aquele lá tem jeito de quem nunca fez isso antes”. De repente, ele
olhou na minha direção e abanou. Notei que era alto e tinha um sorriso largo.
Na manhã seguinte, lá estava ele na sacada. Dessa vez levantou um cartaz: qual seu whatsapp?. Depois de hesitar, escrevi meu número em uma placa. Entre aquele gesto e agora, nasceram seu
pai, seus tios e você, minha querida”. O olhar se perdeu novamente em direção ao prédio da frente. Suspirou profundamente e adormeceu.
Brígida De Poli é autora de As Mulheres da Minha Vida, pela Editora Insular http://loja.insular.com.br/product_info.php/cPath/114/products_id/1199
A escritora é gaúcha, reside em Florianópolis há 30 anos, é jornalista com atuação em rádio, jornal e televisão. Na RBS TV-SC foi produtora, chefe de reportagem e coordenadora do Núcleo de Atendimento à Globo, durante 17 anos. Assina uma coluna semanal sobre cinema e séries no Portal Making Of. É professora voluntária junto a imigrantes e refugiados.
Em As Mulheres da Minha Vida, a autora nos apresenta aquelas que fizeram a sua cabeça no decorrer de sua vida. São mulheres que se destacaram em várias modalidades culturais como Oriana Fallaci (jornalista); Lina Wertmuller (diretora de cinema); Clarice Lispector e Adélia Prado (escritoras); Elis Regina, Mercedes Soza e Billie Holiday (cantoras), Ingrid Bergman e Leila Dinis (atrizes), Frida Kahlo (artista plástica), Simone de Beauvoir (filósofa); Winnie Mandela (líder política).
27/05/2020
CLARA
AMELIA DE OLIVEIRA
Relato
Curto - A Saga Brasileira e Japonesa para sair da França durante a Pandemia
Sabe-se
que o Japão é um território sujeito a catástrofes naturais, tipo terremoto e tsunami,
e outras possíveis, como a causada por, opção energética japonesa, pela Energia
Nuclear. O fato é que a população parece ter algum tipo de treinamento para
fugir de situações de perigo ou catástrofes. Um caso interessante foi o do
estagiário japonês, colega de minha filha, em certo Restaurante de um Hotel numas
Termas ao sul da França. A pandemia do Coronavírus obrigou o restaurante a
fechar e os estagiários foram sendo repatriados. Minha filha estava trabalhando
há trinta dias quando recebeu a notícia do fim do estágio. Mas, seu colega japonês
havia chegado no Estágio há apenas dois dias.
Ele estava morando no mesmo endereço da minha filha. E naquela
madrugada, ela viu uma luz acesa e supôs que ele estivesse acordado. Pela
manhã, todos ficaram surpresos com o sumiço do Japonês. Isto porque, sair daquele
local naquele momento de pânico geral, demandava um certo esquema pois não há
estação de ônibus ou trem, e a cidade mais próxima fica a cerca de 60 km ou 1 hora de carro daquele Hotel. No caso da saída da minha filha, o táxi encomendado pelo
Hotel se recusou a fazer a corrida e o Chef Confeiteiro do mesmo, teve que
ajudar, levando-a até a cidade de Pau, onde ela tomou um trem lotado para a cidade de Lyon. Chegando lá, a Diretora Geral do Programa de Estágios a acolheu,
e assistiu, até o dia do voo para o Brasil. Ela indicou o metrô para o deslocamento
até o Aeroporto de Lyon. Porém, a cada dia, aumentava o isolamento e o Metrô
parou de funcionar. A Diretora foi pessoalmente levar a Estagiária no
Aeroporto. Em Paris, no Aeroporto Charles de Gaulle, apenas quatro Voos
partiram naquela noite de 21 de março. Sim. Quatro Voos. E o Japonês? A Diretora
ficou sabendo que ele já se encontrava em sua casa, no Japão. Ninguém sabe
como, com que ajuda ele contou, porque, na França, ele mal havia chegado há apenas
dois dias. Parece um ótimo exemplo da prontidão japonesa. Um fenômeno
mesmo.
Clara Amelia de Oliveira é formada em Engenharia Química – UFRGS. Pós graduada (Mestrado e Doutorado) em Engenharia de Produção, área Mídia e Conhecimento. Professora Aposentada de Matemática Computacional e Programação em Computadores no Depto. de Informática e Estatística do Centro Tecnológico da UFSC. Trabalhou 12 anos com turmas exclusivas de estudantes repetentes em Programação de Computadores, de onde desenvolveu uma tese de doutorado com uma proposta educacional integrativa.Dedicada à área Educacional e ao Treinamento Pedagógico para Professores da Área Tecnológica. Ministrou Workshops e Palestras, e tem Publicações na Área Educacional referente ao Ensino de Engenharia e Computação (Brasil-São Paulo,
Estados Unidos, Porto Rico, Irlanda, Alemanha, Espanha, Portugal, Finlândia, Noruega, Letônia, Eslováquia, República Checa, Hungria, Argentina, Peru).
Recebeu o prêmio INTERTECH Award (International Conference on Egineering and Technology Education) em 2008 e 2010.
Revisora de trabalhos de pesquisa de Conferências Internacionais na área da Educação Tecnológica : iNEER Annual Book e ICEE (USA), CLEI (America Latina), WEI (Brasil), e outros.
Publicações Literárias:
Em 2000, participou do Concurso de Contos e Poesias organizado por Arnaldo Giraldo –SP, Livro : 500 Outonos de Prosa e Verso – Conto, Poesia e Crônica. Publicou quatro poesias: Apollinaire no Jardim/ Biblioteca/ Meu anjo/ Filha.
Em 2002, participou do Concurso de Crônicas que resultou no livro : A UFSC na Minha História- 40 Anos da UFSC. Crônica publicada intitulada : UFSC – 40 Anos: Fragmentos, Memórias, História.
Em 2019, participou do Atelier da Escrita da Biblioteca do CIC – coordenado por Rosi Bergamaschi.
Em 2020, participa da página do Facebbok "Oficina Experimental de Textos Curtos" da Biblioteca de Arte e Cultura - CIC, com Edna Domenica Merola e Gilberto Motta.
26/04/2020
– Apenas um aceno!
Edna Domenica Merola.
Primeiro foi a fase da negação. Repetia o slogan: um dia por vez. Não ouvia notícias sobre números de casos e mortalidade, apoiava todas as medidas de quarentena, mas não podia aderir a ela. Entenda que neguei que aquilo poderia me atingir, pois fazia um bom tempo que não me expunha a aglomerações para lazer. Os contatos sociais que exercia como provedora dos cuidados com a família não poderiam me prejudicar... (Você já fez esse tipo de contrato com Deus? Pois é, eu tive!).
Toquei o barco com disposição de Ulisses. Daí veio a primeira vizinha me oferecer ajuda, disse-me que, por ser idosa, deveria permanecer em casa.
– Queriam-me Penélope, à revelia de Ulisses!
Você que se achava porta-estandarte, sacou a sensação de pertencer à ala das baianas?
E veio mais outro vizinho (agora pelo watsapp), e mais outros... Você que recentemente se conformara com sua nova posição na Escola de Samba começou a sacar a sensação de ser uma recém nascida prematura?
De repente numa incubadora! (Ainda que fosse um apartamento ensolarado e ventilado, com direito a avistar o verde.).
Uma sensação de impotência me invadiu. De súbito, pequenas coisas do cotidiano tornaram-se enormes dragões.
– Depressão?
– Não, falta de sol!
Fui na varanda pra tentar contemporizar essa vida de Penélope. Acenei para o único ser vivente que vi do lado de fora.
Perguntou-me se queria ajuda.
– Sim – respondi. – apenas um aceno solidário.
Passamos a frequentar nossas varandas nos dias subsequentes, com o sol da manhã.
No primeiro dia, só acenou. No segundo, escreveu uma mensagem num cartaz. E assim procedeu nos outros dias para exibir as mensagens de apoio à permanência na quarentena. Certo dia, usou um megafone para mandar sua alegre mensagem. Noutro dia, dedicou uma música para a senhora da varanda.
Até que ele desapareceu por alguns dias. Será que voltara a passar o dia em seu local de trabalho? Ou adoecera?
Então numa manhã apareceu sem megafone. Fez sinal de silêncio, voltou pra dentro e retornou com um cesto de bebê. Escreveu no cartaz a melhor mensagem de otimismo:
– É menina, o nome dela é Vitória.
Edna Domenica Merola é mantenedora dos blogs Aquecendo a Escrita, Netiativo, Netiamigo, Rede Pró Educação e Cultura de Idosos. É autora de livros de crônicas, poemas e contos, dos quais destaca As Marias de San Gennaro, da série Palavra de Mulher, Editora Insular.
Edna Domenica Merola é mantenedora dos blogs Aquecendo a Escrita, Netiativo, Netiamigo, Rede Pró Educação e Cultura de Idosos. É autora de livros de crônicas, poemas e contos, dos quais destaca As Marias de San Gennaro, da série Palavra de Mulher, Editora Insular.
Florianópolis, 27/05/2020
MARLENE XAVIER NOBRE
Convivência no meu quadrado
Confinado neste quadrado
Me sinto um solitário
Só olho da janela do quarto ,assustado ,cheio de medo, perdido no tempo , eu choro ,não sei o que faço ,tudo é incerto, me sinto refém desse vírus às soltas nas ruas
Estou privado de tudo e de todos
Estou clamando pela minha liberdade
Sinto -me uma criança sem colo
Perdi o sentido
não sei mais qual foi o último dia que fui caminhar na rua, conversar com a vizinha
Não sei quando volto a me encontrar com o mundo lá fora
É tudo estranho!
Não sou mais o mesmo
No meu lar padeço todas as dores
Neste momento me sinto sozinho
Não vejo olhares
Faz tempo que vejo a quem mais amo só por vídeo chamada .
Será que me esqueci de orar ?
Ou não soube amar ?
Ou será que o universo devolveu tudo aquilo que joguei no ar
Estou cansado de esperar todo esse pandemônio parar de infernizar .
Será que vai demorar ?
Ou logo vai terminar ?
Será que este mundo obscuro um dia vai clarear?
Florianópolis,14/05/2020
MARLENE XAVIER NOBRE
Pós Pandemia
Como um bom filho, retorno ao mundo fortalecido e revigorado. E recomeço num mundo novo onde tudo foi regenerado (assim espero!).
Naquele universo no qual o homem não enxergava o outro ser vivente, correntes de ódio geraram relações típicas de guerras civis e consolidaram os piores vícios em nome da autossatisfação. Cansei de ser perverso. Quero deixar pra trás as mazelas e os ranços. Voltar por inteiro: novo, reciclado, repaginado.
Quero ser o meu melhor dentre os humanos e que não me falte amor, mesmo que ninguém veja a minha mudança. A lição vivida valeu a pena, mesmo a duras penas.
Neste reencontro comigo e com o novo, quero conservar os amigos antigos. Junto deles, fazer tudo o que estiver ao meu alcance.
Quero ser mais paciente, ter mais bondade, mais caridade. Saber ouvir, dividir cada momento e, a todo instante, ser mais constante. Estender as mãos, ter mais devoção (somos todos irmãos, sem distinção).
Se nada fiz em vãos dias, não quero seguir de mãos vazias. Quero ter mais cuidados com Mãe Natureza e os animais. Levar alegrias. Irradiar paz.
Em cada passo dado, quero sentir a leveza. Quero ver mais sorrisos soltos e abraços sinceros.
O mundo não será mais o mesmo: uma nova era nos espera.
Marlene Xavier Nobre nasceu em Florianópolis ‒ a bela ilha da magia ‒ numa família de artistas e de carnavalescos, desfilou por várias vezes nos carros alegóricos e de mutações. Fez os carnavais de 2011 e 2012. Foi presidente da sociedade carnavalesca Granadeiros da Ilha. É artesã, dedica-se a trabalhos manuais, bolos artesanais e pintura em tela. Gosta de música, teatro, cinema. E dedicou sua vida para a formação da família. Escrever é o seu único vício. Participou do livro Memórias Compartilhadas nos itens Memórias de Simone, Cartas das Autoras e dos Autores, Cartas em Posfácio.
É autora dos livros A Meus Queridos Netos e Lembranças e Esperanças de uma Mulher ( vol 12. Série Palavra de Mulher, Ed Insular).
Li todos os textos e me sinto gratificada de participar deste grupo que mantém sua dinâmica chama acesa. Até me recompensei da tristeza de não podermos mais participar do atelier ( 2019). Mas outros caminhos vão se abrindo e temos que confiar. Abração e parabéns às colegas escritoras !
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