sexta-feira, 31 de outubro de 2014

"Onde andará o meu doutor?" Edna Domenica Merola

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SEMANA DE PROJETOS DE EXTENSÃO DA UFSC, 30/10/2014


Perdi um sarau importante para o meu coração “por conta de umas questões paralelas”...
Não, não tem nada a ver com repressão política-ideológica... Os versos são do Chico, mas o problema é só meu...
Meu e de toda a população de idosos do Brasil...
Pois é. Aconselharam-me a me divertir, a cantar, a escrever poemas. Fiz (e faço) isso direitinho inclusive numas oficinas que ministro! Só que chegou o grande dia em que os alunos iriam apresentar suas produções poético-autorais e tive de comparecer a uma consulta compulsória.
É isso! Um aluno até pensou que tivesse de comparecer a uma audiência jurídica na qual um representante do convênio seria a parte acusada... Mas não era! Era uma simples consulta, mas que foi marcada pelo S.A.C. e não tive direito a escolha de horário. Sempre que ligo para tentar agendar uma consulta médica, respondem que só daqui a 90 dias ou mais... Em seguida, peço para alguém ligar e dizer que é agendamento particular e daí tem horário a escolher!
Sou aposentada e faço trabalho voluntário uma vez por semana! Mas parece que os quatro demais dias da semana que folgo coincidem também com as folgas dos que atendem aos conveniados da tal prestadora.
Tudo isso me fez rever um antigo PPS. Nele uma paciente relembra o antigo médico da família. Mas depois descreve como tudo agora mudou. E apresenta um Doutor que também está sofrendo e que não responde suas perguntas... Que a assusta com tantos pedidos de exames para poder dar um diagnóstico...
 Enviei o tal PPS para pessoas 'maduras' como eu, avisando que lessem quando tivessem tempo. Uma delas me respondeu logo em seguida e emendou sobre o médico retratado no PPS: 
‒ E se continuar viva para precisar dele outra vez... Só marcando pelo SAC...
E quando isso ocorrer ele lhe dirá:
‒ Olha aqui, minha paciente, minha paciência já acabou!
 E ela provavelmente lhe responderá:
‒ Escuta aqui, ‘ô seo doutô’, sem paciência estou eu! Está me escutando? Eu pago plano de saúde e não consigo marcar consulta... E o senhor só me pede exame sem saber o que vim fazer aqui?
E o doutor responde:
‒ Desculpas, senhora... Mas comigo acontece a mesma coisa.
Lembro então da frase de Chico Xavier: Não há problema que não possa ser solucionado pela paciência.
Lembro-me da frase de Chico Xavier... E teço a certeza de que meu doutor deve andar no Nosso Lar... Pois por aqui, não o tenho visto "não sinhô"!
A pergunta que não quer calar vai além de: "onde andará o meu doutor?". 
A pergunta que não quer calar é: “onde andará a compaixão"? Entendem do que trata a psicanalista Melanie Klein ao cunhar o conceito de "compaixão"?
‒ Leram Melanie Klein?
‒ Leram? 
‒ Leram! Embora por em prática, minha gente!

Making off: 
Essa crônica foi escrita após leitura e envio de um PPS de título: "Onde andará o meu doutor". O texto do PPS citado é de autoria da médica Tatiana Bruscky e slides de Ria Slides. 
Após o envio houve a resposta em e-mail dada por Amaridis que, embora não tenha sido transcrita literalmente no texto supra, inspirou o diálogo entre a paciente e o doutor.
O final da crônica cita o filme "Nosso Lar" pautado na obra literária homônima cuja autoria declarada é a psicografia. Naquela obra o personagem central é um médico que 'desencarna' devido à falta de autocuidados (era fumante e morre em decorrência disso). Na outra vida, num espaço espiritual denominado Nosso Lar passa a exercer a assistência e o cuidado que transcendem as técnicas e incluem o afeto e demais dons do espírito.

Diálogo entre Edna e Ivan Bach sobre o texto "Onde Andará o meu doutor?”

Ivan: Deliciosa postagem mostrando que as dores (da costela e de ter perdido o Sarau) não diminuíram seu bom humor.
A propósito de humor, tenho um amigo poeta nordestino que sempre escreve "humour" e eu sempre sinto vontade de perguntar por que, mas tenho pudor em escancarar minha ignorância e assim sigo não sabendo o porquê.
Edna: Definições de humour (dada pelo dicionário Francês do Google): Substantivo. Faculté d’apprécier les éléments amusants, absurdes ou insolites de la réalité. "Elle a le sens de l’humour."
Seu amigo nordestino provavelmente era da elite brasileira que falava o que era 'chic' só em francês para os 'criados' não entenderem ou não imitarem...
Hoje os motoboys paulistanos entendem inglês facilmente.
Mas é interessante analisar como, atualmente, os galicismos não são mais considerados relevantes. No entanto, há algumas décadas atrás a presença social das “mocinhas francesas” na cultura brasileira foi assim cantada:
“Há muito tempo nas águas da Guanabara/O dragão do mar reapareceu/
Na figura de um bravo feiticeiro/A quem a história não esqueceu/ Conhecido como o navegante negro/Tinha a dignidade de um mestre-sala/
E ao acenar pelo mar na alegria das regatas/Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas/Jovens polacas e por batalhões de mulatas" (O Mestre-Sala Dos Mares.).
Na década de setenta, minha mãe teve uma empregada doméstica que falava:
Hoje estou de 'bom amor', ao invés de bom humor...
(Sábia, não é mesmo? Não tinha escolaridade, não aprendeu francês... Mas fazia um lindo trocadilho entre as palavras humor (humour) e amor  (amour)... Até parece que consultou o meu Larousse (do qual tirava o pó diariamente). Parece que leu Freud (também na minha estante)! Mas não leu! Apenas sabia viver a vida e amar!



terça-feira, 14 de outubro de 2014

O teu lugar aqui na minha mesa, tua cadeira ainda está vazia. Edna Domenica Merola.

CARTA EXTEMPORÂNEA:

A um aluno cordato e gentil,

"Chinesinho", enfim vou me despedir de você. Sei que Deus o recebeu de braços abertos para você inaugurar uma escola de poesia no céu. Imagino que agora quem coordena esses trabalhos é você. E imagino que essa escola é bilíngue. E que lá todos o respeitam: Anjos, Anjinhos e Anjões.
Todos lá são cuidados e assistidos ao mesmo tempo em que são cuidadores, isto é, amparam aos demais.  Todos comungam em criação.
Por alguns anos você sentou em uma das tantas cadeiras ocupadas por aqueles a quem chamei de alunos e que me dedicavam o respeito que era de praxe, à época, sentir pelos professores. Em especial, pela professora que incentivava o aluno a escrever sobre o que ele gostava: poemas sobre a natureza.
Você ocupou sua cadeira de aluno, mas me ensinava o tempo todo de forma mágica e calada.
Pelos seus comportamentos usuais sei que não foi autor de sua saída de cena à revelia da marcação do Diretor. Sei que não teve culpa e que conduzia sua bicicleta com cautela naquela hora fatal.  Sempre foi comedido e disciplinado...
Eu sei, pois observei você atentamente durante anos. Sempre respondendo com estilo próprio.
Imagino que não gritou quando o carro o atingiu. E que nem teve tempo de ver o seu matador.
Creio por isso que o motorista daquele automóvel estava alcoolizado ou drogado.
Só quero lhe dizer que sua cadeira, nas salas de aulas que ocupei durante anos seguidos ainda tiveram algum substituto ou outro. Mas depois foram escasseando. Até que notei que ela deixara de ser preenchida...
E depois que não seria... Preenchida aqui, assim, por algum adolescente que escreva poemas cheios de seres naturais e harmônicos como você escreveu em sua breve vida, outrora.
Hoje percebi que “teu lugar aqui na minha mesa/ tua cadeira ainda está vazia”.
Pois a terra continua cheia de motoristas pródigos. E de vidas secas que clamam por presenças poéticas.
As relações entre as gerações virou caso de estatutos: primeiro o ECA e depois o dos idosos... 
Você bem sabia de meu idealismo de jovem professora... E confesso ainda sou ligada na luta pela justiça, pela ética e pelo amor ao próximo. Conto com seu testemunho em minha defesa quando chegar a vez de ventos pródigos me abaterem.
Conto também com que recomende minhas palavras em forma de preces em sua escola de Poesia e de Presença na Casa do Nosso Grande Pai: que nasçam crianças plenas de luz para virarem jovens poetas e preencherem "o teu lugar na minha mesa" de escrita poética para múltiplas idades!


Making Of

Esse texto foi escrito no intervalo de uma aula em forma de oficina de um curso sobre saúde do qual a autora do texto participou enquanto aluna. O tema foi a relação entre dois sujeitos, a saber: um profissional de saúde e uma pessoa que precisa de cuidados.
A oficina iniciou pelo trabalho do contato pelo olhar e encerrou com excelentes materiais teóricos sobre o cuidado. 

SOBRE O PERSONAGEM 'CHINESINHO'
Foi inspirado em um adolescente paulistano e que era filho de chineses. O jovem cordato, inteligente, geralmente calado, mas participativo, foi aluno (de Língua Portuguesa) da autora do texto,  na cidade de São Paulo. Escrevia poemas cheios de luz. Faleceu aos dezesseis anos, na década de oitenta do século XX. 

SOBRE O QUE É NARRADO E DESCRITO
Foi inspirado na profissão que a escritora exerceu profissionalmente e ainda exerce como voluntária. 
A autora trabalhou (durante dez anos) numa escola próxima a uma enorme avenida que liga bairros como Ipiranga e Vila Mariana à Rodovia dos Imigrantes. Nesse período, três alunos faleceram, sendo dois por atropelamento enquanto se locomoviam com bicicletas. Na frente do prédio da escola não havia ponto de ônibus como costuma ocorrer, embora fosse uma região de supermercados e motéis.

SOBRE O TÍTULO DO TEXTO
Esse título é citação de versos (da música de Lupicínio Rodrigues) que remontam a uma perda sofrida por abandono, em vida. 
No texto aqui postado, algumas perdas são mencionadas: a do aluno adolescente morto por um motorista alcoolizado, a do aluno que respeita sua mestra, a do poeta, a da poesia. Mas principalmente, a perda do contexto de encontro 'dialógico' no qual duas pessoas interagem como sujeitos, à revelia de terem ou não maiores ou menores poderes.




quinta-feira, 2 de outubro de 2014

À Capela. Edna Domenica Merola.



Faço o jogo do contente


Invés de apertar os dentes


Dou minha aula ‘à capela’


Alguém olha na janela


Hip hop eu fui do rock!


beatbox beatbox


já fui do rock


beatbox beatbox


graduei em Oxford


beatlemania virou heresia


beatbox mania virou profecia


beatbox beatbox


graduei em Oxford


underground eu curtia


beatbox beatford


beatbox Ford ford


Que saudade da sanfona


Beatbox sou matrona!


Que saudade dos cafonas


Que saudade dos Mamonas!


Um acerto com um clarim


Quebrou o meu serafim


A minha chicomania


A minha pedagogia


Chamaste de chinfrim?


A minha autonomia...


Por que me desfeiteaste assim?


Não quero mais cantar à capela


Nem ser chamada de chinfrim


Não quero mais ouvir balela:


Sequestro de querubim...


Ric roc ric roc


Sua avozinha era assim?


Hip hop hip hop


Tira a tropa de choque

devolve o meu clarim!

Sou cor de rosa choque...

Mas também gosto de samba


De uma nota sol...


Numa praia de bamba!

Por isso não deboche

do meu atual eStado de Choque

e da minha antiga panaceia deflagrada

e do meu Mário de Andaime

e do meu Operário de Andrade


Ric roc hip hop...


Sua voz tem uma nota só?


Sua avó é assim sol?

Seu samba tem uma nota sol?


Ou tem compasso de lua?


COMENTÁRIOS:

1- Recado do comentarista Ivan Bach


Poetisa Edna,
Li e adorei o poema.

"Faço o jogo do contente
Invés de apertar os dentes"
Leva toda a sabedoria do saber transformar as angústias vivenciais em doces momentos.

"Seu samba tem uma nota sol?
Ou tem o compasso da lua?"
Junto-me ao teu samba ao compasso da lua!

Abraço poético. Ivan


2- Recado do comentarista 2

Edna, achei linda a escrita, uma colagem diferenciada, muito gostosa de ler, parabéns!


3- Recado do comentarista 3

É um texto com vários intertextos, mas não colagem.