Considerando que
o preparo de uma intervenção pedagógica demanda muito mais do que o conhecimento
técnico do conteúdo a ser ensinado, analisa-se a escolha de um tema colocado para
adultos participantes de uma oficina de dissertação, tomando-se para ilustração
a análise da pertinência da escolha dos Pecados Capitais como proposta temática.
Representaria um desafio de escrita justificado por ser acessível ao imaginário
individual sobre o outro? Seria esse tema relevante na Literatura canônica?
Questiona-se ainda se o tema poderia auxiliar os participantes numa primeira
experiência com a escrita de uma dissertação e não ser inócua para os mais
experientes.
No Brasil, a Coleção Plenos Pecados, da Editora Objetiva, dedica uma obra à inveja, outra à luxúria, à avareza, à preguiça, à ira, à soberba, à gula. Nessa coleção, os pecados são analisados sob um prisma laico que pretende prescrutar 'o que deles permanece, como noção de ofensa e erro', no imaginário contemporâneo. Reúne sob a égide dessa temática os autores brasileiros: Zuenir Ventura, José Roberto Torero, Luiz Fernando Veríssimo, João Ubaldo e João Gilberto Noll; o autor chileno Ariel Dorfman e o argentino Tomás Eloy Martinez.
O romance Eugênia Grandet, escrito pelo autor francês Balzac em 1833, retrata a sociedade francesa do século XIX, bem como o materialismo reinante na época. Dentre os personagens descritos com realismo destaca-se o Sr. Grandet, pai de Eugênia, rico comerciante de vinhos: um dos maiores avarentos da história da literatura. Já o protótipo brasileiro do avarento está no personagem Zé Esteves, pai de Antonieta, nascido da pena de Jorge Amado, na obra Tieta do Agreste, em 1977.
No conto O Retrato, Gogol, expoente da Literatura russa moderna, narra como o personagem central de nome Tchartkov fez fama e fortuna como pintor, após achar dinheiro escondido atrás da moldura de um quadro que comprara por impulso com seus últimos trocados. As páginas que encerram a primeira parte do conto narram os efeitos da inveja e da ira sobre Tchartkov: “A inveja, uma inveja furiosa, tomou conta de Tchartkov. Quando via uma obra marcada pelo selo do talento, o fel lhe subia às faces, ele rangia os dentes e a devorava com um olhar rancoroso. As referidas páginas acrescentam ainda como a inveja e a ira causaram a morte do pintor: “Por fim, num derradeiro acesso, sua vida se foi, e não deixou nada de sua imensa riqueza. Mas quando descobriram inúmeras obras de arte soberbas, cujo valor ultrapassava muitos milhões, retalhadas em farrapos, compreenderam que monstruoso emprego havia feito dela.” No conto referido pode-se ver que os pecados humanos, à revelia de apresentarem-se como universais, oferecem oportunidades de estabelecer relações com aspectos idiossincráticos da existência.
A noção de ato pecaminoso pode ser virada do
avesso sob o ponto de vista de um personagem tipo. Nesse sentido, criado por
Jorge Amado, na obra Dona Flor e seus dois Maridos, destaca-se o
personagem Vadinho que com sua luxúria dividia com Dona Flor algo mais próximo
do paraíso do que do inferno.
Diante
da reconhecida universalidade do tema e do leque de reflexões e de flexibilizações que pode vir a
suscitar, conclui-se que é grande a probabilidade de cada participante
dissertar com sucesso sobre um dos seguintes temas: "O ódio espuma, mas o
amor...” “A preguiça se derrama, mas a hiperatividade...” “A gula engorda, mas
a inapetência...” “O avarento acumula, mas o perdulário...” “A luxúria se
oferece, mas o desejo reprimido...” “O orgulho brilha, mas a humildade...” “A
inveja se esconde, mas a gratidão...”