sábado, 26 de maio de 2012

Escolha de Tema para uma Oficina de Dissertação

Considerando que o preparo de uma intervenção pedagógica demanda muito mais do que o conhecimento técnico do conteúdo a ser ensinado, analisa-se a escolha de um tema colocado para adultos participantes de uma oficina de dissertação, tomando-se para ilustração a análise da pertinência da escolha dos Pecados Capitais como proposta temática. Representaria um desafio de escrita justificado por ser acessível ao imaginário individual sobre o outro? Seria esse tema relevante na Literatura canônica? Questiona-se ainda se o tema poderia auxiliar os participantes numa primeira experiência com a escrita de uma dissertação e não ser inócua para os mais experientes.
    
No Brasil, a Coleção Plenos Pecados, da Editora Objetiva, dedica uma obra à inveja, outra à luxúria, à avareza, à preguiça, à ira, à soberba, à gula. Nessa coleção, os pecados são analisados sob um prisma laico que pretende prescrutar 'o que deles permanece, como noção de ofensa e erro', no imaginário contemporâneo. Reúne sob a égide dessa temática os autores brasileiros: Zuenir Ventura, José Roberto Torero, Luiz Fernando Veríssimo, João Ubaldo e João Gilberto Noll; o autor chileno Ariel Dorfman e o argentino Tomás Eloy Martinez.
    O romance Eugênia Grandet, escrito pelo autor francês Balzac em 1833, retrata a sociedade francesa do século XIX, bem como o materialismo reinante na época. Dentre os personagens descritos com realismo destaca-se o Sr. Grandet, pai de Eugênia, rico comerciante de vinhos: um dos maiores avarentos da história da literatura. Já o protótipo brasileiro do avarento está no personagem Zé Esteves, pai de Antonieta, nascido da pena de Jorge Amado, na obra Tieta do Agreste, em 1977.
    No conto O Retrato, Gogol, expoente da Literatura russa moderna, narra como o personagem central de nome Tchartkov fez fama e fortuna como pintor, após achar dinheiro escondido atrás da moldura de um quadro que comprara por impulso com seus últimos trocados. As páginas que encerram a primeira parte do conto narram os efeitos da inveja e da ira sobre Tchartkov: “A inveja, uma inveja furiosa, tomou conta de Tchartkov. Quando via uma obra marcada pelo selo do talento, o fel lhe subia às faces, ele rangia os dentes e a devorava com um olhar rancoroso. As referidas páginas acrescentam ainda como a inveja e a ira causaram a morte do pintor: “Por fim, num derradeiro acesso, sua vida se foi, e não deixou nada de sua imensa riqueza. Mas quando descobriram inúmeras obras de arte soberbas, cujo valor ultrapassava muitos milhões, retalhadas em farrapos, compreenderam que monstruoso emprego havia feito dela.”  No conto referido pode-se ver que os pecados humanos, à revelia de apresentarem-se como universais, oferecem oportunidades de estabelecer relações com aspectos idiossincráticos da existência.
     A noção de ato pecaminoso pode ser virada do avesso sob o ponto de vista de um personagem tipo. Nesse sentido, criado por Jorge Amado, na obra Dona Flor e seus dois Maridos, destaca-se o personagem Vadinho que com sua luxúria dividia com Dona Flor algo mais próximo do paraíso do que do inferno.

     Diante da reconhecida universalidade do tema e do leque de reflexões e de flexibilizações que pode vir a suscitar, conclui-se que é grande a probabilidade de cada participante dissertar com sucesso sobre um dos seguintes temas: "O ódio espuma, mas o amor...” “A preguiça se derrama, mas a hiperatividade...” “A gula engorda, mas a inapetência...” “O avarento acumula, mas o perdulário...” “A luxúria se oferece, mas o desejo reprimido...” “O orgulho brilha, mas a humildade...” “A inveja se esconde, mas a gratidão...”


quinta-feira, 24 de maio de 2012

Processo Criativo




Incubação:

Laríngeo pulsante

Cansaço–descanso

Na viagem–exercício

Na vida terra,

Na vida Planeta.

Expressão:

Ser um Vaso – Mãe

Ser interação – lúdica

Ser movimento – Natureza

Ser sons naturais

Ser chuva e ar



Contemplação:

Ser Vaso do Divino

Em harmonia

com a Obra Universal. 





 

segunda-feira, 21 de maio de 2012

A Volta do Contador de Histórias, por Edna Domenica Merola

Se ouvirem falar que ainda pratico algo como um esporte radical prestem bem atenção, pois já passei dos cinqüenta. Se ouvirem dizer que minha primeira experiência radical foi em ‘Floripa’, nos anos sessenta, prestem mais atenção ainda. A experiência passada a que me refiro e que hoje batizo de radical foi meu primeiro contato com um legítimo contador de histórias. E que contador! Papai e mamãe possuíam uma empresa paulistana do ramo de metais, que à época eram utilizados em aparelhos eletrônicos. Vieram pra Florianópolis conhecer a família de seu mais novo freguês na compra de peças para montagem de transformadores de voltagem. Era época inaugural de acesso à televisão, cá na Ilha da Magia. Fernando e Nicinha, casal bem mais jovem do que meus pais, procuravam se estabelecer na vida. Já tinham seus dois pimpolhos, perto dos quais minha irmã e eu já éramos consideradas crianças crescidas.
Fernando dirigia seu jipe e cabíamos todos lá dentro, sabe Deus como, pois meu corpo hoje volumoso recorre a fotos pra acreditar nessa história que conto agora. Fernando nos mostrava recantos e praias, enquanto narrava Florianópolis tal qual encantador de serpentes.
E havia também os passeios a pé dos quais, algumas vezes, as senhoras e as crianças pequenas não participavam. Um desses passeios foi pura adrenalina, daquele tipo que não sai na foto. Fomos caminhar sobre a Ponte Hercílio Luz.
Andávamos sobre as tábuas rasgadas pelo uso. Fernando e papai à frente, nós filhas, atrás. Ouvimos papai indagar sobre as condições da ponte.
Sobre a resposta do nosso anfitrião: minha memória filtrou fortemente a maneira como foi dada.  Fernando respondeu no mesmo tom com que descrevera as dunas, durante o caminho de ida, quando nos levou visitá-las. Ocasião em que ensinara às crianças como proceder ao chegar lá. Uma narrativa imperiosa de chegar, deitar e rolar duna abaixo.
Sobre o conteúdo da resposta: vale aquilatar se houve intenção de valorizar seu distanciamento com a forma de expressão vocal utilizada. Sobre como se dá a intersecção de conteúdo e forma na narrativa de Fernando: há que traçar primeiro uma linha do que foi dito. A seguir, há que demarcar o que foi visto. Para depois prover o entendimento de como as diferentes tonalidades tingem e atingem a ouvinte.
Fernando contou com voz sorridente que na semana anterior o último veículo a passar havia sido um caminhão que caíra no mar.
Papai costumava andar depressa, mas puxando bem pela memória, às vezes acho que apertou o passo, e que nós também o fizemos. Noutras vezes, penso que não: que continuou a andar em seu ritmo habitual. Quando isso acontece, coloco-me na cena, segurando a mão de minha irmã mais velha, sempre rápida e confiante.
Usava um vestido cor de abóbora e uma fita de ‘banlon’ da mesma cor para enfeitar os cabelos ao vento. Minha irmã nada dizia. Eu nada disse.
Após mais de meio século, aguardo o buraco cair em si.
Olhava cada buraco da ponte e calculava meu tamanho de menina de oito anos que sentava na primeira carteira de uma das compridas fileiras da sala de aula, lá da escola paulistana. Lembro-me perfeitamente de um rombo em especial. Era menor do que a boca da Bernunça. Mas com certeza dava sim para meu corpo infantil escorregar por ele de forma a poder mergulhar feito o caminhão da história.

Lembro também de que olhei para o contador da história, responsável primeiro daquele passeio. Caminhava com seu passo em gingo cadenciado. Pareceu-me ágil, mas sossegado. E a conversa com papai continuava rolando solta. Talvez sobre obstáculos que os cidadãos pioneiros teriam de transpor a duras penas, mas que deveriam ser narrados com a voz macia de ilhéus.
Então minha memória - após retomar a cena na qual passo ilesa perto do maior buraco que a ponte Hercílio Luz teve no início da década de sessenta - canta feliz, com voz de criança:
- Olé, olé, olé, olé, olá.
- Arreda do caminho...
- Que a Bernunça quer ‘passá’!
E uma inspiração lusitana me remete ao mito da espera sebastianista. E então, encontro outros sonhadores que acreditam que seu rei vai voltar. Desta vez, ao invés da armadura terá por traje a fantasia de contador de histórias. Qual será seu nome? Será velho? Será novo?
Alguns dizem que ele já foi visto. Mas os relatos são contraditórios.
Uns dizem que ele é um moço de nome Fernando. Outros juram que é um homem mais maduro: talvez um empresário paulistano. Outros dizem que viram os dois andando juntos sobre a velha ponte.
Há aqueles que dizem que quem voltou foi o motorista do caminhão que caiu. Dizem até que ele voltou para procurar uma menina que quer saber sua verdade sobre a história.
Dizem que o motorista voltou para contar a ela que conseguiu sair da boleia, que recebeu ajuda dos amigos pescadores. Que foi tão difícil a vida depois da perda de seu caminhão. Mas que se manteve sempre devoto de Nossa Senhora dos Navegantes que o ajudou a salvar-se pra poder criar os cinco filhos.
Dizem que o caminhoneiro pede a cada um que passa que chame urgente a tal menina que corre o risco de perder sua alma de criança se ficar sem ouvir essa sua parte... Inda mais que seu pai levou-a embora desses desafios de buracos e pontes... Mas também tão longe das dunas de areia e da Bernunça...
Frente a tantas discrepâncias sobre os fatos naturais, mais se fortalecem as crenças de ordem supra e diversa...
Todos os narradores concordam, no entanto, que ouviram vozes sobre a ponte e que elas exigem que os resgates sejam finalmente executados.
E, em fantasia, creio que é necessário consertar as pontes simbólicas para que as diferentes gerações possam voltar a compactuar.
E, em verdade, creio que é necessário consertar as pontes, para o Boi de Mamão poder dançar e cantar...








Cora, Coração







Cora, Coração



Cora, coração,
na mão da madrugada. 
Cora!

São como nuvens:
                            travessas...
                                          avessas
tuas manhãs, coração...
                  de tropeços,
                  remelexos, 
                       apreços.

                                                                       Cora¸ coração são!
                                                                                                São como afrescos:
                                                                                                         obras-primas,
                                                                                                               tuas rimas,
                                                                                                                  coração,
                                                                                                              de avessos.

                                                                             São como são...
                                                                              E tu primas,
                                                                                       coração,
                                                                              por poesias sem rimas.
                                                                              CO-RA-ÇÃO
                                                                             CO-RA-ÇÃO
                                                                             CO-RA...

Poema 'Psicodrama' por Edna D. Merola

Tu te aquecias para dramatizar
o primeiro ato do teu psicodrama existencial,
te sentias oprimido,
cresceras
teu espaço ficara pequeno,
então quiseste ganhar a luz
e num arranque físico te lançaste
na busca de uma nova matriz.

                   Eu já estava a teu lado
                   e com movimentos de expulsão
                  ajudava -te a galgar espaço.


                                             Tu protagonizaste, enfim,
                                            teu nascimento: tua catarse de integração.
                                            E te implantaste na matriz de identidade.

                                            Foste espontaneamente mudando,

                                            habilitando-te a dar novas respostas:

                                                             respirar, chorar, sugar,


                                                             urinar, defecar.

                                                                             Eu estava a teu lado,

                                                                             mas tu não me distinguias,

                                                                            unificavas teu eu e o mundo.


Tu, pouco a pouco, organizavas teu universo,
concentravas tua atenção em mim

e me estranhavas em parte.

Depois, num momento de Criação,
delimitaste fronteiras entre o eu e o outro,

imitando o Pai na separação


entre as terras e as águas...


Impulsionado pela tua fome cósmica,
principiaste a jogar papéis


                                               de animais

                                               de objetos


                                               de pessoas


                                               de seres ideais.


E o apetite macrocósmico


aprofundou tua investigação microcósmica


e tu, pequeno cientista,


principiaste a inverter papéis.

                                                                       
Eu estava a teu lado co-agindo,


                                                                                                       co-existindo


                                                                                                      co-experienciando.


Tu foste fazendo teu caminho,e te aculturavas. 


Mas fizeste tua espontaneidade por demais subserviente à memória e à inteligência


Te prendeste demais à conserva-cultural:


te sentias fatigado, incapaz de desfrutar e enriquecer teu meio


e de ver a mim como eu mesmo, em frequentes momentos transferenciais.


                                                                                                                  Eu estava a teu lado.


                                                                                                                 E fui teu duplo e tua consciência


                                                                                                                e as pessoas com as quais interagias, no social.
                                                                                                                 E te propus: me dar a ouvir teus pensamento
Pensavas alto,

invertias papéis,
                                                                e tanto mais eu te percebia.

Tu penetravas em teus sonhos e fantasias

e nos meandros de tua interação com o outro,

mobilizavas imagens somáticas,


libertavas imagens mentais, através do “acting out terapêutico”.

Vivenciavas teus papéis psicodramáticos

investigavas teus papéis sociais,


novas possibilidades,
potenciais não desenvolvidos.


                                                                                                  Eu estava a teu lado


                                                                                                                      no aquecimento


                                                                                                                     na dramatização


                                                                                                                     nos comentários


Tu ganhavas contato com teu eu


intensificavas tua capacidade criadora


e a quantidade de teus atos espontâneos.
                                                                                                            Eu estava a teu lado, numa relação télica


Tu estavas a meu lado numa relação télica.
                                                      
                                                                  E então... Nós ...nos encontramos.

REFERÊNCIA
MEROLA, Edna Domenica. Cora, Coração. Nova Letra,2011, p. 191-196.

Manifesto de Edna Domenica Merola

Ao Movimento Balãofágico interessa o que é meu e o que é teu.
A Balãofagia é a expressão de todas as inspirações,
                                             de todas as expirações,
                                             de todas as aspirações
que só a balãofagia pode unir,antropologicamente,
                                                psicologicamente,
                                                       socialmente,
                                                  historicamente,
                                                 filosoficamente.
A Revolução Balãofágica une todas as revoluções eficazes, na direção do lúdico:
                                                                                                    é contra a mãe dos romanos e dos manos,
                                                                                                    é contra a mãe dos gregos e dos troianos...
                                                                                                    é  contra a mãe dos medos e dos magos
                                                                                                    e contra a mãe das mulheres de Atenas.
A Revolução Balãofágica é a favor da ‘Mãe da Rua’, 
                                                           de chutar o ‘Pé na Lata’, 
                                                           de estalar a Mão na Sela’,
                                                           de subir naquela árvore, carregando a boneca ECA.

Fio. Edna Domenica Merola



FIO


            
Da terra,


          inspiro


                                  hortelã



O ar aroma
            enleva
                   leva                                                                                                                 acalanta.


                Do ar,
                          expiro
                                             nítido astral


                                                                         - Hortelã: tela


                                                    (metamorfoses


                                                 formas


                                                              cores)


                                              - Telas roxas


Da terra,
Colho a lã:
fio roxo
que encontra
outras formas
outras  cores
outras metamorfoses
                                                                  outras tecelãs
                                      
Tece a lã,
                                                                                                             O encontro
                                                                                                                                Multicor
                                                                                                                           com fios
                                                                                                                                filhos da vida,
                                                                                                                plenamente,
                                                                                                            terrena.