sábado, 30 de junho de 2012

Carta Aberta


Dentre tudo o que coleciono ou aprecio, só não posso abrir mão da palavra literária. Dentre as coisas que posso relevar, só não posso incluir a omissão frente aos atos dos que se julgam "mais iguais", criando rituais e cerimoniais de exclusões... Nesse sentido os três textos transcritos abaixo dialogam:


 
1- No caminho com Maiakóvski
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
De Eduardo Alves da Costa
Atribuído erroneamente a Bertolt Brecht e Vladimir Maiakóvski
 
2- Zuerst kamen sie für die Kommunisten, und ich war nicht Kommunist, und da hab ich nichts gesagt und nichts getan, und dann kamen sie für die Gewerkschaftler, und ich war kein Gewerkschaftler,und sie kamen für die Sozialdemokraten, und sie kamen für die Katholiken, und sie kamen für die Juden, und ich war keiner von denen, und dann kamen sie für mich, und da war keiner mehr, der schreien konnte.
(Sermão de Martin Niemöller, pastor luterano, à época do Nazismo)
2- Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram; já não havia mais ninguém para reclamar.
(Jornal da Poesia, por Soares Feitosa)
 
3- Epígrafe por Edna D. Merola:
"Não vim plantar em demasia
Nem vou implorar nostalgia
vim bem cantar a sinergia"


 

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Oficinas do Projeto Aquece a Escrita. Por Edna Domenica Merola

 

Ilustração: Cleusa Myiagi


 O projeto Aquece a Escrita é filho legítimo da prática pedagógica que conjuga oficinas de redação e Psicodrama Aplicado. Iniciada em 1982, essa prática teve dois importantes registros: um artigo científico e um livro paradidático. Ambos de autoria de Edna Domenica Merola, respectivamente O Desbloqueio da Expressão e Técnicas de Redação através do Jogo Dramático (revista da FEBRAP, no. 4, ano 7) e Aquecendo a Produção na Sala de Aula (Editora Nativa, 2001).
         Em Florianópolis, essa prática se expressou pelo projeto Aquece a Escrita que iniciou com a oferta de um curso sob o título Conquista da Autonomia na Escrita pela escritora e bacharel em Letras, Pedagogia e Psicologia; mestre em Comunicação e Educação. A proposta teve por justificativa aprimorar os conhecimentos dos participantes e incentivar seus talentos no campo da Literatura.
        No primeiro semestre de 2012, num centro comunitário, foram realizadas oficinas gratuitas de produção escrita, utilizando metodologia lúdica desenvolvida pela própria ministrante, para habilitar os participantes no uso de técnicas de redação − descrição, narração, dissertação, teatro e poesia.
       As interferências semanais realizadas durante duas horas e meia consistiram de um jogo de aquecimento elaborado para eliciar a construção de um texto com certos padrões técnicos, mas que liberasse o pensamento divergente. Após o aquecimento, cada participante escrevia seu texto. Finda a escrita, dava-se a leitura: etapa para habituar o aprendiz a usufruir da produção escrita  do outro o que é uma atitude necessária para formar o hábito de leitura (algo tão desejado por professores). Os comentários  apontam como o autor usou a técnica padrão para delinear seu texto, criando algo inédito pelo uso de seu estilo.
A coordenadora da oficina não teve por meta apresentar conclusões sobre ideias e conteúdos subjacentes aos temas desenvolvidos na escrita dos participantes. Tampouco pretendeu estabelecer juízos ou instigar apreciações de caráter monológico. O diálogo entre as diversas autorias foi favorecido: no contexto onde se fez uso de técnicas lúdicas, na escrita individual pela livre expressão temática e formal, e no momento da leitura do próprio texto para os colegas.
As unidades desenvolvidas versaram sobre os itens: Descrição (Retrato, Descrição de uma cidade, Narração Descritiva); Narração (Criação de personagens com cartas do tarô, Criação Coletiva de uma Narração); Dissertação;  Teatro; Poesia.
Na primeira oficina, trabalhou-se a apresentação dos participantes e foi solicitada a produção escrita de um Retrato de um colega.
Na oficina sobre Descrição de uma Cidade utilizou-se, como aquecimento para a escrita, um exercício de imaginação dirigida no qual se tentou simular um voo rasante sobre um local de livre escolha do participante.
A oficina sobre Narração Descritiva partiu de uma atividade de leitura, na qual se utilizou a história O Jardim do Homem Sábio do livro A Volta do Contador de Histórias. Após um aquecimento foi proposto um diálogo entre os personagens, após a escolha dos atores pelo grupo. Após alguns segmentos de falas, foi solicitada a inversão de papéis. Após a dramatização foram feitos os comentários. Em seguida, propôs-se que cada participante redigisse um texto sobre o tema O Jardim de... (As reticências referiam-se ao nome de alguém dentre os presentes).
Durante a oficina destinada à Narração, os participantes criaram personagens após a exposição a uma vivência na qual foram utilizados alguns arcanos maiores do Tarô. Para eliciar a produção escrita da aula seguinte, a ministrante da oficina (Edna) criou a personagem Catarina que redigiu cartas endereçadas aos personagens criados pelos participantes, na aula anterior. Eis uma dessas 'cartas':
Querida Estrela,
Sei que você está vivendo um momento de esperança, no qual há excelentes perspectivas para qualquer tipo de plano que você possa fazer. Ser otimista demais e ver tudo pelo lado positivo tem, paradoxalmente, um lado negativo: aquele do ditado "quanto maior a altura, maior a queda". É preferível encarar a realidade e tirar dela o que há de melhor sem deixar de ver que também existe o pior para não se decepcionar profundamente. A verdade, a simplicidade e a realidade são as tônicas do seu jeito de estabelecer vínculos. Há esperança e boas perspectivas para relacionamentos que você esteja desejando estabelecer com as pessoas do nosso grupo. Uma oportunidade promissora poderá ser inventada pelo grupo. Será como um resultado de uma combinação entre seu trabalho passado e o presente. A energia empregada na carreira tende a apresentar resultados que trarão satisfação e realização pessoal. Pode ser que você tenha passado, ou ainda esteja passando, por um período crítico. No entanto, a tendência é a de atingir o equilíbrio.
Beijos, da Catarina.

           Na oficina destinada à Criação Coletiva de uma Narração cada pessoa do grupo respondeu a questões diferentes sobre uma viagem fantástica que, hipoteticamente, teriam feito juntos. As questões foram as seguintes: Onde se deu o início dessa viagem? Qual o destino dessa viagem? Qual o objetivo dessa viagem? Quem participa dessa viagem? O que foi visto nessa viagem? O que se pôde ouvir nessa viagem? O que se pôde perceber com o olfato nessa viagem? O que se pôde sentir nessa viagem? Como foi a volta dessa viagem?Quais foram os resultados dessa viagem? Por que alguns pensaram em não retornar ao local do início dessa viagem? Alguém resolveu ficar no lugar visitado, ao invés de retornar? Após a escrita, as respostas foram lidas na sequência supra sob o título: ‘Uma viagem Fantástica’.
Para trabalhar Dissertação elegeu-se o tema Pecados Capitais. Questionava-se se o tema poderia auxiliar os participantes numa primeira experiência com a escrita de uma dissertação e não ser inócua para os mais experientes. Alunos e professora enfrentaram esse desafio e tivemos bons resultados.
Para trabalhar a técnica de escrita de texto para Teatro tomou-se o relato de uma participante sobre a forma trágica de vida e morte de um indivíduo que foi seu conterrâneo, em tempos passados. A partir dessa fala foi colocado o desafio de escrita: criar diálogos entre os personagens que se encontram em algum lugar após suas mortes.
A última unidade didática trabalhada teve por tema a Poesia. Cada uma dessas oficinas teve por objetivos, respectivamente, a escrita de poema com rima, aliteração e musicalidade. Na síntese final, os participantes apontaram como importantes na construção poética: a ativação de emoções no eu poético; a expressão de sensações e de sentimentos; o uso da linguagem metafórica; a utilização de ícones.

Alunos da oficina em 2012
Oficina 2012










 




quarta-feira, 20 de junho de 2012

Último Recado para Rebeca

RECADOS PARA REBECA
é de autoria das psicólogas EDNA DOMENICA MEROLA
e de LUCIA MARIA DE PAULA ASSIS L.DE OLIVEIRA;
foi registrado no Escritório de Direitos Autorais (E.D.A.),
 sob o número: 470670,em 01/09/2009

Rebeca,
Enquanto trabalho, existencialmente, o tema da solidão e você o do consumismo, vamos trocando nossas cartas. Em relação à produção escrita estou cultivando a necessidade de dar nomes aos textos. A necessidade de dar nomes talvez surja para tentar garantir continuidade e congruência: dois itens importantes em uma psicoterapia processual. Dois itens importantes na construção de uma narrativa.
A construção da continuidade (ou a expressão da temporalidade) é um recurso  intelectual  para organizar.
Já a congruência, além de um organizador lógico, deverá resistir às intempéries da desorganização do campo afetivo-emocional. A construção da congruência sob o ângulo psicanalítico lida com conscientização de materiais inconscientes.
Os títulos são os refletores de cena que iluminam o que focalizam, conservando provisoriamente os demais na penumbra. São também os batismos, pois purificam.
O título adequado pode possibilitar a catarse. Dentre os títulos de sua autoria destaco Carências e Crenças. Percebo aí o surgimento de um tema e de uma dupla. Carência lembra mais o emocional e crenças, mais o espiritual. O sofrimento vindo quer da carência quer de crenças ou verdades poderá ser igualmente indesejado. O lado sadio disso é o encontro de dois pólos: do emocional com o intelectual, do material com o espiritual, da alegria com a dureza do realismo.

Roxane,
            Em nossas correspondências, a princípio, ainda com pouca luz, fomos espelhos recíprocos. E pela empatia fui um duplo-eu destas suas novas percepções. E você também representou meu duplo.
No meio de nossa caminhada, já éramos uma dupla. Já éramos os pólos refletores que emanavam luz suficiente para que muitas recordações saíssem das sombras e deixassem de ser inconscientes.

Roxane,
           Revendo alguns pontos pelos quais caminhamos, concluo que nossa maior ousadia foi sondar o desenvolvimento da capacidade de trocar confidências. Essa característica já era manifesta desde o princípio de nossa amizade na juventude.

Rebeca,
 Para sondar o poço das confidências, tivemos de colocar nossos próprios laços de amizade em análise. E isso me fez sentir mais integrada e feliz.
Tenho indagado (e sem dor) sobre a questão das despedidas. Se este fosse meu último recado à Rebeca qual seria?  Meu recado a Rebeca (e a todas as pessoas que se identificarem com ela):
  

– A construção de um vínculo de amizade acontece no cotidiano: trata-se de uma possibilidade desta natureza. Já viver plenamente a concretude da amizade é escolher um caminho que conduz a outras esferas de caminhadas existenciais... rotas circulares de humanização em espiral.