domingo, 6 de abril de 2025

Perdas entre linhas. Edna Domenica Merola e Cassiano Silveira

         Perdas entre linhas

 

Às vezes tropeço na pedra,

Pra desviar da flor,

E de asfalto em asfalto,

de Drumond em Drumond, devagarinho,

o caminho, volto atrás

Pra resgatar evocado ninho.

Perdi os óculos, o WD 70 e o martelo

Varri a poesia e revi lar comezinho

Onde ecoam óculos, WD 70 e martelo:

Museu dos meus, puro elo.

Outras vezes o tropeço na perda

É pra desviar da dor.

(Edna Domenica Merola)

 

Outrora nos meus tempos de criança

Ora era herói ou justiceiro

Ora  bicho brabo ou engenheiro

Bandido, cavaleiro em andança

 

O tempo deturpou a esperança

O que é daquele todo inteiro?

Foi-se o sol. Armou um tempo feio

Onde havia tempo de criança

 

Lá se foi meu projeto de futuro

 Finda a ilusão de perfeição

Lá havia ponte, aqui há muro.

 

Perdi  tempo, meta e vocação

Perdi sonho e medo de escuro

Perdi  santos e  fé na oração.

(Cassiano Silveira)

 

Ora (direis) contar as perdas, certo

perdeste o Censo! E eu vos direi, no entanto,

Que, pra contá-las, muita vez desperto

E fecho as canelas, pálido de espanto…

 

E computo por toda a noite, enquanto

A via-láctea, como um pálio aberto,

Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,

Inda as lembro (sob um véu esperto).

 

Direis agora: “Tresloucado amigo!

Que procuras com elas? Que sentido

Tem o que lembras, quando estão contigo?”

 

E eu vos direi: “Perdei para entendê-las!”

Pois só quem perde pode ver sentido

Ter paz pra ouvir: entender sequelas.

(Edna Domenica Merola) 

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