.A aula de redação de Poesia é uma atividade pouco
desenvolvida na escola, cujo ensino prioriza o pensamento cartesiano,
convergente e excludente, relegando o desenvolvimento do pensamento divergente.
Os projetos pedagógicos multidisciplinares, interdisciplinares e
transdisciplinares comprometem-se com o
desenvolvimento do pensamento crítico e participativo. O resgate da
poesia pela escola demanda a opção por projetos que não isolem as disciplinas e
não confinem os saberes. Para dissertar
sobre o tema, seria necessário explicar como o ensino da poesia pode contribuir
para a necessária humanização das relações sociais, ainda que, paradoxalmente,
a poesia pertença ao âmbito do indivíduo. No entanto, pretende-se apenas
registrar um testemunho: ensinar a escrever poemas é uma tarefa possível,
destinando-se a aprendizes de qualquer idade.
A apresentação gráfica de um poema é vertical,
podendo, por esse critério, ser facilmente diferenciada da prosa. A linguagem
poética é icônica e sintética, opondo-se nesse sentido à linearidade da prosa.
A poesia utiliza linguagem analógica e metafórica, opondo-se ainda à prosa que
se inclina a aparentar o lógico, a imitar a realidade e a inventar o
verossímil. Além de ser algo diferente da prosa, o que define a poesia para o
aprendiz? Os poemas cantados podem contribuir como instrumentos de aprendizagem
de ritmos e rimas.
Jogos
dramáticos de
cunho psicopedagógico podem ajudar na percepção de que a feitura e a
leitura poéticas são emocionais e relacionais (o que equivale a dizer, na
linguagem de Buber, que pertencem ao âmbito da "relação eu-tu").
A prática pautada nesse tipo de jogo dramático encontra-se em
duas publicações de MEROLA, Edna a saber: Desbloqueio da Expressão e Técnicas
de Redação (Revista da FEBRAP, vol. 4, 1983); Aquecendo a Produção na Sala de
Aula (2001).
Mas para
entender o que vem a ser poético é preciso abrir-se a viver o inusitado, seja
num laboratório ou oficina de criação, seja na experiência embutida no
cotidiano (mas dela destacada).
Um poema
resulta de um estado ou momento poético vivido pelo (a) escritor (a). Um
momento poético é algo semelhante ao que a Gestalt terapia
descreve como o processo de entrar em contato com o aqui e agora. É do
âmbito do indivíduo, ainda que nunca diga respeito à personalidade civil e sim
a um “eu poético”.
A
linguagem poética expressa sensações, remetendo dessa forma aos sentidos
humanos: audição, visão, olfato, paladar, tato. Os órgãos
dos sentidos contribuem para obter sensações que se processam na
mente. A volição, a atenção e o contato são as condições para o surgimento da
sensação, da percepção e da consciência. Um tema é poético se traduzir a
conscientização de uma experiência de qualidade estética.
Mas o que
é qualidade estética? Ela é definida conforme a qualidade das respostas que as
artes podem dar a um determinado momento social e cultural. Para o arcadismo
valiam os temas bucólicos e pastorais; para o romantismo o amor, a morte, a
liberdade; para o parnasianismo contava mais a forma do que o conteúdo,
prevalecendo a concepção clássica de busca da perfeição; para os simbolistas o
etéreo e o diáfano. Os modernistas incluíram os temas cotidianos. Nas
concepções canônicas os efeitos da poesia são estéticos, devendo provocar
deleite e sublimação. Nas concepções contemporâneas o ‘feio’ e o ‘impuro’
comparecem como elementos estéticos. Prevalece a noção de que o jogo poético
tenha função humanizadora e que contribua para a construção do pensamento
divergente (inclusivo e criativo).
No
primeiro semestre de 2012, ao realizar oficinas de criação poética, num centro
comunitário em Florianópolis, pesquisamos alguns efeitos de
intervenções didáticas utilizando relaxamento, mentalizações de cores
e sons. As oficinas tiveram por objetivos as práticas da rima,
da aliteração e da musicalidade. Na síntese da
unidade temática sobre poesia ocorrida nas referidas oficinas, os
participantes apontaram como importantes na construção poética: a ativação de
emoções no eu poético; a expressão de sensações e sentimentos pela utilização
de ícones; o uso da linguagem metafórica.
Sexta-feira, 26 de julho de 2013.Oficinas de Poesia: Planejamento.
Oficina
literária realizada pela professora Edna para as alunos do semestre 2013.2
Recurso
didático usado no encontro: Técnica do Remador. No primeiro encontro de curso de
Poesia a ocorrer no segundo semestre de 2013, tivemos por tarefa nos conhecer
enquanto pessoas leitoras e escritoras de poemas para afinar o planejamento que
já se esboçara ao término do semestre anterior. A professora Edna organizou
questões sobre as definições dos principais conceitos relativos ao tema.
Utilizamos um ‘cartaz’ para cada item a ser definido. Foram eles: diferenças
entre a apresentação gráfica de um poema e um texto em prosa. Diferenças entre
linguagem poética e linguagem ‘científica’. O que é “momento”poético? O que é
“eu poético”? Defina poema, verso, estrofe, ritmo. O que a poesia tem a ver com
os cinco sentidos, com sensações, sentimentos, emoções? Defina poesia.
Os
cartazes foram passados às mãos de cada participante para ao final obter o
registro das expressões de todos os participantes sobre a poesia. A construção
grupal inicial foi apreciada por meio de leitura em voz alta do contido em
todos os ‘cartazes’.
Segundo
o Mini Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, poesia é
a "Arte de criar imagens, de sugerir emoções por meio de
uma linguagem em que se combinam sons, ritmos e significados".
Prosa: “série de palavras dispostas sem
obediência a metro nem a rima.”.
Rima é a “uniformidade
de sons na terminação de duas ou mais palavras”. É a “repetição do mesmo som,
no fim de dois ou muitos versos.”
Os versos
podem ser rimados de várias maneiras.
A oitava rima: é a estância de oito
versos em que os pares rimam entre si e os ímpares também, exceto o sétimo
verso que rima com o oitavo.
A rima alternada:
é aquela em que os versos pares e ímpares rimam respectivamente entre si.
A rima consoante:
é aquela em que desde a vogal da sílaba predominante há perfeita semelhança de
som.
A rima emparelhada:
é a que faz rimar dois versos seguidos.
A rima encadeada:
é a rima do final de um verso com o meio do verso seguinte.
A rima
interpolada: é aquela em que dois versos que rimam têm de permeio de um até
seis versos.
A rima
pobre: é aquela em que as palavras têm a mesma categoria gramatical.
A rima rica:
é aquela em que as palavras são de categorias gramaticais diferentes.
A rima toante:
é aquela que só existe na igualdade das vogais a partir da sílaba predominante.
Terça-feira,
30 de julho de 2013. Primeiras Linhas do Diário de Suor Camoniano da Oficina
Literária do NETI.
Camões não escreveu os Lusíadas em um só
dia... Obra com cerca de nove mil
e duzentos versos.
Há também os poetas que burilam um
único soneto (14 versos) durante dias e até meses.
Pensando na prática da "qualidade
sempre" (quer com quantidade ou sem), optei, didaticamente,
por tentar instalar nos participantes da Oficina de Criação Literária o conceito de sílaba poética, praticando o uso da
métrica. Propus o exercício de registrar pelo menos uma linha
poética, diariamente. Lembrando
que os versos dos Lusíadas são decassílabos heróicos, verificamos que é
necessário também ordenar as palavras de tal modo que a sexta e a
décima sílabas sejam tônicas. Sílaba Poética é a menor parte rítmica do verso. Pode
corresponder ou não à divisão de sílabas gramaticais: é escolha do poeta. A
contagem do total de sílabas é
feita a partir da primeira sílaba (átona ou tônica) da primeira palavra do
verso, até a última sílaba tônica da última palavra do verso.
A professora Edna Domenica Merola enviou aos alunos os seguintes versos
para desencadear a tarefa:
“Agora escrevo em versos decassílabos
Diário de suor camoniano”
Quinta-feira, 29
de agosto de 2013.
Dialógica: o
Poema e o Poeta. O "Eu poético". O Momento Poético.
Em
Autopsicografia, Pessoa descreve como é ser poeta.
Autopsicografia.
Fernando Pessoa.
O
poeta é um fingidor.
Finge
tão completamente
Que
chega a fingir que é dor
A
dor que deveras sente.
E
os que leem o que escreve,
Na
dor lida sentem bem,
Não
as duas que ele teve,
Mas
só a que eles não têm.
E
assim nas calhas de roda.
Gira,
a entreter a razão,
Esse
comboio de corda
Que
se chama coração.
No
poema Não sei quantas almas tenho, o poeta Fernando Pessoa descreve a
experiência de viver os múltiplos"eus poéticos".
Não
sei quantas almas tenho. Fernando Pessoa.
Não
sei quantas almas tenho.
Cada
momento mudei.
Continuamente
me estranho.
Nunca
me vi nem acabei.
De
tanto ser, só tenho alma.
Quem
tem alma não tem calma.
Quem
vê é só o que vê,
Quem
sente não é quem é,
Atento
ao que sou e vejo,
Torno-me
eles e não eu.
Cada
meu sonho ou desejo
É
do que nasce e não meu.
Sou
minha própria paisagem;
Assisto
à minha passagem,
Diverso,
móbil e só,
Não
sei sentir-me onde estou.
Por
isso, alheio, vou lendo
Como
páginas, meu ser.
O
que segue não prevendo,
O
que passou a esquecer.
Noto
à margem do que li
O
que julguei que senti.
Releio
e digo: “Fui eu?”
Deus
sabe, porque o escreveu.
No
poema Todas as Cartas de Amor o poeta Fernando Pessoa descreve a
experiência da autoria poética. Mostra a relação entre o texto a ser lido por
outrem (poema) e o seu autor (poeta)
Todas
as cartas de amor…
Fernando
Pessoa
Todas
as cartas de amor são
Ridículas.
Não
seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também
escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como
as outras,
Ridículas.
As
cartas de amor, se há amor,
Têm
de ser
Ridículas.
Mas,
afinal,
Só
as criaturas que nunca escreveram
Cartas
de amor
É
que são
Ridículas.
Quem
me dera no tempo em que escrevia
Sem
dar por isso
Cartas
de amor
Ridículas.
A
verdade é que hoje
As
minhas memórias
Dessas
cartas de amor
É
que são
Ridículas.
(Todas
as palavras esdrúxulas,
Como
os sentimentos esdrúxulos,
São
naturalmente
Ridículas.).
BUBER, M.
– Do Diálogo e do Dialógico – São Paulo: Perspectiva. 1982.
MEROLA, E.
Desbloqueio da expressão e técnicas de redação através do jogo dramático.
Anais do
IV Congresso Brasileiro de Psicodrama. Revista Brasileira de Psicodrama, São
Paulo,
v. 1,
n.4, p. 20-30, 1984.
_____________
Aquecendo a Produção na Sala de Aula. São Paulo: Nativa. 2001.
PESSOA."Fernando Pessoa - Obra Poética", Cia. José Aguilar Editora - Rio de Janeiro, 1972, p 164.
STEVENS,
J. O. Isto é Gestalt. São Paulo: Summus Editorial Ltda., 1975.