sábado, 18 de maio de 2013

Aulas e 'Flashes'. Por Edna Domenica Merola.



A professora era extremosa, tinha domínio do conteúdo que ensinava e exagerava ao se ocupar com o preparo das aulas. Num desses arroubos pedagógicos enviou um e-mail aos alunos:
‒ Por favor, revejam as sínteses das aulas da primeira unidade. Enviem suas dúvidas, suas perguntas, suas constatações sobre os assuntos das aulas anteriores.
Só a aluna mais quieta e mais discreta da sala de aula respondeu:
‒ “Entendi cada passo, mas me sinto ainda muito crua na formatação do enredo... Ao procurar dar sentido. Sinto-me bem escrevendo. Mas vou colocando frases sem sentido... Parecendo flashes, no ouvido... De repente paro, e não vem mais nada. Só você faz dar sentido...”
‒ O processo de escrita criativa é assim mesmo. Primeiro escreve em flashes (como você chamou). Depois faz outra atividade: de preferência totalmente diferente da escrita. Essa outra ação estimulará outras regiões do cérebro diferentes daquela responsável pela criação com a palavra. Depois volta a ler o texto novamente. Só então poderá fazer as correções e 'dar sentido'. Essa busca de sentido é de alto risco: não pode tirar a beleza do que parecia ‘sem sentido’ e foi originalmente expresso na primeira versão. Nesse ponto de vista, torna-se importante o domínio dos instrumentos linguísticos. Por exemplo, as regras de pontuação que determinam como se dará a leitura.
‒ Outra opção é pedir para alguém ler em voz alta. Desta forma, você poderá ver onde a pessoa dá entonação diferente da que você imaginou. Outro recurso é pedir para alguém explicar o que entendeu, para ver se foi o que você quis dizer. Para treinar esse processo, em 'sala de aula', é preciso haver confiança mútua estabelecida entre pares de alunos. Considero isso básico no exercício de entendimento do texto do outro. Enquanto isso não se estabelece, vamos usando a interferência centrada na figura da professora que propõe inversões de sequências de parágrafos e altera a pontuação. E isso vai:
‒ “Tornando cada texto mais bonito que o outro”. ‒ escreveu a aluna.
‒ A prática pedagógica que prioriza o saber da professora não desenvolve autonomia do aluno por si só. Decorre daí ser necessário incluir o trabalho com colegas de aprendizagem.
‒ Em dupla? ‒ inquiriu a aluna prontamente.
‒ A dupla é uma experiência humana ancestral. Começa com o bebê e sua mãe. E com a mãe e seu bebê. Há dois ângulos diferentes da relação em dupla. Você percebe?
‒ Ah! Acabei de entender aquela primeira aula do semestre... Você colocou música e pediu que fechássemos os olhos para olhar para dentro. Depois de algumas músicas daquela forma é que abrimos os olhos para copiar o movimento do outro.
‒ E esse outro era um colega. Então para cada dupla havia um modelo diferente. ‒ explicou a Professora.
‒ E depois invertemos os papeis. Eu dançava e minha colega me imitava ‒ completou a aluna.
‒ Isso ocorre sempre: o bebê também molda o comportamento de sua mãe. Ela deve aprender a decifrar seu choro para alimentá-lo e confortá-lo. Senão...
‒ Dança! ‒ completou jocosamente a aluna.
‒ É isso mesmo! A formação da dupla é uma via de duas mãos: uma tarefa em dupla. As interações em uma dupla, seus padrões de comunicação, seu estilo de funcionamento fazem concluir que se trata de uma terceira instância. A dupla que dança é diferente da soma do bailarino A + o bailarino B. ‒ discursou a professora.
‒ Então vou responder ao e-mail do meu colega de dupla de entrevista. Ele acabou de entrar on line. Tchau, Professora. ‒ despediu-se a aluna.
A professora extremosa continuou frente ao teclado e a telinha. Considerou que tinha dialogado de uma forma que agradaria... Talvez ao Sócrates! Achou que não, leitor? Ou talvez à mãe do Sócrates... Quem sabe?
Só sei que a professora arroubada considerou que aquilo poderia ser postado em seu blog. E se não gerasse diálogo do tipo maiêutico, poderia gerar bate-papo literário. Redigiu os flashes necessários. Corrigiu o texto já postado, já que seu campo de visão não avistasse nenhum cristão... E nem pagão... Uma vez estivessem os leitores ausentes, a arroubada Professora extremosa pensou em reler o texto imaginando-se outra pessoa... Quem sabe em pé? Mas o corpo queria permanecer na cadeira. E suas mãos continuavam a dedilhar o teclado e a acompanhar a tela... A Professora extremosa (e que também era uma aprendiz, sempre) avaliou que estava com sorte, pois alguém respondera... Era uma 'voz' abalizada e amiga:
‒ A união dos "flashes" e até de textos escritos em momentos diferentes depende de reescrita do argumento inicial da própria narrativa ('a entrada' que aponta para algo). O título geral de um trabalho tem de ser voltado para seu foco. A colocação de uma epígrafe (ou citação) pode diminuir a clareza do texto se não for colocada em diálogo com o título e com o foco da narrativa. O processo intuitivo de escrita dá mais trabalho em sua composição. Mas depois de reescrito percebe-se a beleza não só de seu produto, mas de todo o processo.
A Professora extremosa escreveu:
‒ Você consegue inverter o papel com quem cria. Outros só alcançam a compreensão do Espelho, pois não conseguem desenvolver o Duplo... Necessário para a criação da terceira instância, numa dupla. A criação dessa instância é a obra relacional: ela é estética. Não obrigatoriamente Suave... Bela... Perfeita, mas que denominamos obra relacional estética.
A Professora releu sua fala e achou-a muito teórica. Tentou fazer um duplo com sua aluna mais quieta e mais discreta da sua sala de aula. Avaliou que ela entendia a 'obra relacional estética' por meio de seu silêncio sábio.
‒ É como vejo o silêncio que aprende e ensina. ‒ ponderaria com seu olhar presente.
A Professora apagou sua fala sobre "a inversão de papéis" e "a obra relacional estética" e pensando no "silêncio sábio" escreveu à voz amiga:

‒ Obrigada pela presença! Saudade!

Nenhum comentário:

Postar um comentário