quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Sepulturas do Bom-senso. Edna Domenica Merola.

Haicai de 14/9/2015

Acaba a graça,
quando ando sobre águas
Enquanto naufragas!


Epitáfio Pífio

Aqui jaz bordão
que usou a lei de Talião,
afundando a infância.


Haicai dos Humoristas Vivos (psicografia)

E quem aqui jaz?
- Ética, Bom-senso, Humor...
(Charlie nos matou!)


Epitáfio escrito por Gregório de Matos (psicografia)


Aqui jaz Charlie Hebdo: imperialista de latrinas;
aquele que fez charges cretinas!


Epitáfio do Humanoide, 2015

Paciência!
Aqui jaz resiliência...
Também a inocência.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Respostas às Cartas Recebidas em Agosto. Edna Domenica Merola.

Florianópolis, 13 de agosto de 2015.
Prezada A. F.,

Todo o primeiro dia de um curso é como uma estreia de uma peça de teatro. Por mais que nos sintamos aptos, ainda resta algo em processo que dá muita “adrenalina”.
Na primeira aula, os olhares experientes dos alunos do N.E.T.I. parecem ter vozes que indagam... Até dá para ouvi-los cantar os versos da música cujo título é: “Angélica” e que o Chico Buarque dedicou a Zuzu Angel: “Quem é essa mulher...?” Pois todos os alunos tentam descobrir o que podem esperar dessa professora que ainda não os conhece...
E a pergunta que não quer calar é mais ou menos assim:
– Será que ela vai me reconhecer?
O reconhecimento esperado pelos alunos experientes é mais do que ‘social’... Penso que se espera ser reconhecido quanto ao grau de humanidade decorrente do grande acúmulo de experiências existenciais. As pessoas que chegam aos cursos do N.E.T.I. são em geral pessoas que já romperam com alguns preconceitos e apostaram na possibilidade de aprender coisas novas e de conviver com pessoas novas.
Espero e acredito que nossa convivência será amistosa! Seja bem-vinda!
Atenciosamente, Professora E.

Florianópolis, 20 de agosto de 2015.
A. M.,

O assunto ‘cabelo’ foi o ponto para que iniciássemos nosso primeiro diálogo. Nossa imagem é também mensagem para possíveis interlocutores. Nós, mulheres, lidamos com isso ao longo da vida. Quando nossa imagem começa a nos mostrar a mesmice, lá vamos nós em busca de criações... E não nos intimidamos em recorrer a sugestões das pessoas de nosso entorno.
Quando eu tinha 17 anos fiz mechas nos cabelos... Meu pai me disse que um dia eu iria querer ter os cabelos sem as mechas cinza. Isso de fato aconteceu em meu longo período de “Henna”.
Mas não ocorre agora, momento em que consegui entender plenamente a que meu pai se referia: “É que tempo não retrocede e que os dias podem se tornar da mesma cor se não agirmos com criatividade”. Por isso é preciso inventar como colorir nosso cotidiano. Por isso é estimulante criar espaço para o novo no nosso dia-a-dia.
Abraço,
                   E.

Florianópolis, 20 de agosto de 2015.
Prezado integrante da Oficina Literária, A.,

Em resposta ao sugerido na sua "singela missiva", ou seja, no texto proposto na primeira aula do Curso de Criação Literária, volto a ter contato com vocabulário formal (que parece ser o seu preferido). Também me aposentei cedo e numa função burocrática (Supervisão de Ensino), mas voltei a exercer a função de professora como voluntária no NETI, desde o início de 2013.
Escrever "via qualquer atividade" consegue me tirar das tarefas que poderiam me levar à mesmice, no dia-a-dia. Publiquei alguns livros com recurso próprios, após a aposentadoria. Os mais recentes saíram pela editora Postmix. Mantenho três blogs: Aquecendo a Escrita (2012), Netiativo (2013), Rede pró Educação e Cultura de Idosos (2014).
Foi com grande alegria que recebi seu contato como destinatária da carta supra. Seus colegas que integram a turma 2015.2 das Oficinas de Criação Literária do N.E.T.I. – advindos das mais diversas atividades – certamente ficarão felizes por conhecê-lo melhor, após esse seu compartilhamento.
Também pretendo manter o foco nos interesses e metas externados pelos alunos principalmente porque alguns estiveram afastados das “carteiras” escolares desde há muito, e também da Universidade e até aposentados há bom tempo.
De antemão, posso inferir que, quanto aos aspectos cognitivos, não terá dificuldade para acompanhar o andamento dos trabalhos das minhas aulas. A convivência harmônica e a aceitação do outro serão os itens que desafiarão a criatividade de todos, principalmente numa primeira fase em que os participantes estão se conhecendo.
Com igual atenção,
                            E.

Florianópolis, 21 de agosto de 2015.
Cara P.,

Muito prazer em conhecê-la. Gostaria de saber por que recebeu este nome ‘ao ser inventada’. Sua criadora está de parabéns por ter lhe dado um nome grego, já que foi por lá que a cultura ocidental teve seu berço.
Recebi sua carta explicando sua expectativa quanto ao curso da Oficina Literária. Destaco o fato de que deseja desenvolver o prazer pela escrita.
Fiquei sabendo que gosta de ler. Gostaria de saber quais são seus autores preferidos, para, a partir de um deles, poder sugerir como você poderia treinar seu papel de escritora, diariamente.
Gostar de criar com palavras implica em gostar dos sons que elas produzem quando são pronunciadas e de como esses sons produzem combinações harmônicas, num poema ou letra de música, por exemplos.
Gostar de escrever implica em acreditar que você pode fazer algo por alguém que também é capaz de retribuir. O esporte que você pratica já daria conta de manter seu cérebro ativo. E penso que sua participação nas oficinas de criação literária possa ser importante incentivo para as colegas que ainda não realizam atividades físicas pelo menos três vezes por semana.
Se eu fosse sugerir temas para sua escrita, talvez cometesse um erro didático, pois você tem todas as aquisições necessárias para desenvolver seu papel de escritora, sem que alguém seja sua tutora. Acredito que é necessário conhecer profundamente algo para inventar sobre o tema. Você conhece profundamente o papel profissional no qual se aposentou e tem por hobby (ou algo que vai além disso) que é uma prática desportiva.
Ao responder sua carta lembrei-me da obra de Fernando Sabino, em especial um livro cujo título é Encontro Marcado e cujo personagem é um nadador. Lembrei-me também de O Velho Homem e o Mar (de Hemingway). As lembranças que me ocorrem, às vezes, parecem ser por acaso. Como não vou me delongar nos motivos, aceitemos, por agora, o acaso.
Pelo seu estilo objetivo e conciso penso que escreverá crônicas com facilidade, se passar a praticar com empenho esta habilidade literária.
Devido ao estilo homeopático de sua carta, encerro por aqui para não exceder na dosagem.
Seja bem-vinda ao mundo de Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Luís Fernando Veríssimo!
Professora E.

Florianópolis, 22 de agosto de 2015.
Cara C.,

Sua carta é bastante reveladora do seu gosto pela leitura, pela escrita, pela família, pelos ideais coletivos. Conta-nos suas experiências com diversos campos acadêmicos e moradia em diversas cidades. É como você afirma “a carta revela mais de uma pessoa, a caligrafia é pessoal, única”.
Você está convidada a participar de uma ação do tipo social com idosas. É uma ação esporádica, voluntária, e espontânea. Trata-se de visita mensal (sábado pela manhã) a um asilo de freiras. Elas não necessitam de nada financeiro. Eu ia usar a palavra material, mas me lembrei de que expressar afeto implica em materialidade como a de um abraço sincero.
Hoje foi dia de visita. Um senhor que é voluntário tocou teclado, uma senhora voluntária e eu lemos versos da Irmã A. (poetisa) que fez 91 anos de idade. Demos lembrancinhas para ela e para mais duas aniversariantes. As irmãs de uma das freiras aniversariantes (e que vieram visitá-la) cantaram (em alemão) canções que a maioria conhece e canta.
Uma das irmãs que coordenava a recepção de nossa visita perguntou ao final o que as freiras idosas tinham refletido. Então foi uma emoção muito grande ouvir as vozes daquelas que saíram de seus quartos em cadeiras de rodas e permaneceram quietas no salão onde ocorreu a reunião. Foram frases curtas sobre o que havia acontecido lá. Havia na plateia mais de trinta idosas, três delas com mais de cem anos.
Compreendi melhor a relação de ajuda indo lá visitá-las. Só ajudamos quando conseguimos trocar... Receber é também praticar solidariedade.
Obrigada pela sua carta.
Com receptividade, E.

Florianópolis, 24 de agosto de 2015.
Querida Z.,

Foi com imensa alegria que li sua carta. Deu para ler perfeitamente tudo o que escreveu. Sua letra está bem legível, à revelia de como você disse não enxergar mais a pauta, na folha. É importante continuar exercitando a escrita, pois sempre será um meio a mais para você se comunicar com outras pessoas, e compartilhar seu exemplo de superação.
No primeiro dia de aula, quando você me disse que estava fazendo uma experiência, lembrei-me de casos de alunas que se inscrevem em dois cursos e comparecem nas respectivas aulas iniciais e abandonam o que consideram menos agradável do que o outro. Mas você veio para me mostrar o inverso. Veio para me mostrar que há pessoas que valorizam o seu próximo a tal ponto que apostam positivamente no contato com o outro.
Quando eu disse que eu também estava fazendo uma experiência é porque a primeira aula é decisiva para a elaboração de um planejamento de um curso para uma turma específica. Mas na verdade, eu estava ingressando nesse convívio prazeroso que é compartilhar com quem quer compartilhar.
Obrigada pela sua presença, Z.
Um abraço, da E.

Florianópolis, 26 de agosto de 2015.
Querido aluno A. M.,

Como bom “manezinho” o senhor tem a facilidade de provocar a dispersão e o riso na sala de aula. Em minhas aulas tem segurado essa veia artística da cultura florianopolitana e reservado para os momentos das atividades no palco ou no teatro. Isso tem colaborado para mantermos nossa empatia e respeito mútuo.
Fiquei muito contente por ter aceitado fazer e entregar as tarefas.
Penso que ao dedicar-se à escrita irá ter um grande ganho existencial e oportunidade de fazer amizades também entre os alunos do NETI.
Também agradeço sua presença e seu trabalho! Deus abençoe também a sua vida com muito amor, paz e saúde.
Professora E.

7 de Setembro de 1978. Edna Domenica Merola.

Quero sobretudo os atos sem condecoração
Quero sobretudo o heroísmo calado
Quero sobretudo saber render-me e não morrer

Nessa grande parada de emoções,
Desfilam em primeiro plano minhas angústias
Em seguida, um batalhão de esperanças,
Segue depois o de dúvidas,
E após, vem a companhia de ataque,
E então o pelotão da sinceridade,
E finalmente o da paz.

Queria ter nascido poetisa.
Mas não nasci:
 Caí de uma estrela.
 Que tombo, gente!
Então nasci pra vida...
Machucada.

Agora, caminho por sobre pedras
sobre penas
sobre relva
sobre flores
sobre asfalto
Agora, caminho em direção à vida
E me rendo ao momento presente
Emudecendo em respeito à verdade

De experimentar este instante.

Making of: 
Poema dedicado às (aos) brasileiras (os) que sofreram maus-tratos psicológicos durante a ditadura. Refiro ao cerceamento nas liberdades de pensar de forma autônoma, de se expressar, de se reunir, de reivindicar direitos coletivos.

REFERÊNCIA
MEROLA, E. D. Cora, Coração. Nova Letra, 2010.