Indagações sobre os “recursos imprescindíveis para o
desbloqueio da expressão escrita e retreino do papel de escritor”. (MEROLA,
1984, p 30) eis a tônica dos trabalhos práticos e teóricos realizados por esta
autora, ao longo de quatro décadas.
No segundo semestre de 2015, ao ministrar oficinas
para participantes maiores de 50 anos, deu-se prosseguimento a essa
pesquisa/ação.
“Uma oficina tem por foco a reflexão sobre a própria
prática educativa do participante, o que pressupõe que ele esteja desempenhando
o papel em pauta e se disponha a realizar as propostas apresentadas pela
ministrante e compartilhar com colegas os seus resultados.” (MEROLA, 2015, f
36).
A Oficina
de Criação Literária “é o espaço onde são oferecidas atividades práticas de
criação pela palavra escrita, proporcionando novos conhecimentos e vivências.”
(MEROLA, 2014, p 49). Fundamentada em pesquisas do Psicodrama, suas ações
pedagógicas têm por meta aprimorar e favorecer o desempenho cognitivo,
sócio-afetivo e sócio-existencial de pessoas maduras e idosas. Tem por
objetivos desenvolver o papel social de escritor por meio de sua complementação
com o papel de leitor. Suas estratégias são criadas para que alunos treinem a
habilidade de estabelecer vínculos, estreitem a relação com a própria
interioridade, e conheçam dados culturais novos.
No semestre 2015.2, as Oficinas de Criação Literária realizadas no Núcleo de Estudos da Terceira Idade (NETI, UFSC) tiveram por foco a
escrita de cartas literárias. “A carta é um texto escrito no qual alguém
transmite uma informação a um destinatário ou leitor, que interpreta o sentido
e assume determinada atitude diante da informação recebida.” (MORAES; 2008, p.
156.). Nesse gênero, há uma tônica de premência da comunicação entre emissor e
destinatário, o que aponta para a cumplicidade, imprimindo ao discurso certo
teor de exposição e de proximidade.
A escrita de uma carta envolve o uso de elementos que
a aproximam do conto e da
crônica. O emissor é o narrador personagem, mas poderá introduzir outros,
transferindo-lhes o protagonismo. O
destinatário da carta literária é um complementar do narrador ou substituto do
leitor no próprio texto. No conto,
é facultado usar a referência ao leitor como um “artifício retórico, uma forma
de controlar e complicar as respostas do leitor real, que permanece fora do
texto.” (LODGE, p. 90). No início do texto epistolar há uma descrição
espaço-temporal sucinta que comparece na data e local apontado; esse elemento
descritivo aproxima a carta literária da crônica.
Nas oficinas ministradas, o ensino do gênero
epistolar teve por fundamentação a Socionomia: fruto da pesquisa e criação de
Jacob Lévi Moreno, para quem – corpo, psique e sociedade são partes
intermediárias do eu total. O eu é um constructo aberto ‒ em
constante construção dialógica ‒ que abrange os papéis psicossomáticos,
psicodramáticos e sociais.
Nas oficinas, a ação pedagógica reporta-se ao jogo dos papéis sociais
que envolvem a escrita. E também aos papéis psicodramáticos ‒ relativos às
dimensões psicológicas, em especial, à imaginação. A complementação de papéis
tem por foco o diálogo ou as possíveis interações entre o
papel social de escritor e o papel complementar de leitor (e vice-versa). E tem
por meta o desenvolvimento do vínculo entre aqueles papéis cuja complementação
é ilustrada como segue (MEROLA, 2015, f 41).
A primeira unidade didática das Oficinas Literárias 2015.2 referiu à escrita de cartas de
apresentação ao grupo.
Na segunda unidade, a proposta colocada foi a de
escrever uma carta cujo emissor se localizasse no tempo passado (menino/menina)
e que fosse endereçada ao próprio destinatário no tempo presente (senhor/senhora). O desenho de um Átomo Social foi aplicado como técnica de
aquecimento para essa tarefa.
Segundo Moreno (1975), o Átomo Social é o conjunto de papéis que uma pessoa
desempenha num dado momento de sua existência, incluindo os complementares
desses papéis.
No átomo social referente à infância houve menções a
seres tais como Papai Noel,
Menino Jesus como exemplos de
complementares de papéis psicodramáticos que são interligados às capacidades de
imaginar e de acreditar.
A unidade Cartas
sobre Leituras incluiu o
livro Iracema (ALENCAR, 2008). A jandaia e o cão
rafeiro alencarianos foram transformados em emissor e destinatário, agregando a
fábula ao gênero epistolar.
Na unidade Cartas
Psicodramáticas, trabalhou-se
a conexão entre a leitura da realidade externa e da introjetada, a exemplo de: Querida Irmã, Marina Prosdócimo (In
Memorian), da
catarinense Marli Barcelos.
A unidade sobre: elementos da estrutura narrativa,
criação de personagens e narrador ilustra-se com Carta a um Arquivo – do gaúcho Adroaldo José Fontes da
Silveira, testemunho do desvelar de um contista.
No papel de professora, continuou-se o projeto de pesquisa/ação sobre como incentivar a
criatividade na escrita. Nos papéis de aluna e pesquisadora, teve-se o N.E.T.I.
por lócus privilegiado para aplicar conhecimentos advindos do Curso de Especialização em Atenção
à Saúde da Pessoa Idosa, concluído no primeiro semestre de 2015.
Como escritora, teve-se o privilégio do diálogo sobre História de Amor, História de Sala
de Espera, Conto em “Pas de Deux”, (MEROLA,
2011, p 37-41, 57-59,77-80). Esta voz paulistana agradece pela oportunidade
florianopolitana desta empreita que congrega outras vozes amadurecidas em
diferentes estados brasileiros.
Edna Domenica Merola.
Bacharel em Letras, Pedagogia e Psicologia.
Especialista em Atenção à Saúde da Pessoa Idosa.
Mestre em Educação, Administração e Comunicação.
REFERÊNCIAS
ALENCAR, José de. Iracema.
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/
DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=1844
LODGE, David. A Arte da Ficção. Trad. Bras. Porto
Alegre: L& PM Pocket, 2011.
MEROLA, Edna Domenica. Pedagogia do Psicodrama: a ação
do grupo no desenvolvimento de papéis da pessoa idosa. Monografia de conclusão
do Curso de Especialização em Atenção à Saúde da Pessoa Idosa. Orientadora:
Maria Celina da Silva Crema. UFSC, CCS, N.E.T.I., 2015, 46 f.
____________ De que são feitas as Histórias.
Florianópolis: Postmix, 2014.
____________ A Volta do Contador de Histórias.
Blumenau: Nova Letra, 2011.
____________ Aquecendo a Produção na Sala de Aula. São
Paulo: Nativa, 2001.
____________ Desbloqueio da expressão e técnicas de
redação através do jogo dramático. Anais do IV Congresso Brasileiro de
Psicodrama. Revista Brasileira de Psicodrama, São Paulo, v. 1, n.4, p. 20-30,
1984.
MORAES, A. M. de; [et al.]. Enciclopédia do estudante:
redação e comunicação: técnicas de pesquisas, expressão oral e escrita. São
Paulo: Moderna, 2008 – Vol. 8.
MORENO, J.L. Psicodrama. 2 ed, São Paulo: Cultrix,
1978.
Nenhum comentário:
Postar um comentário