Aulas de poesia são ainda pouco usuais. Para reverter tal situação seria necessário explicar como o ensino da
poesia pode contribuir para a necessária humanização das relações sociais,
ainda que, paradoxalmente, a criação poética pertença ao âmbito do indivíduo.
No entanto, pretende-se,aqui, apenas registrar um testemunho: ensinar a
escrever poemas é uma tarefa possível, destinando-se a aprendizes de qualquer
idade.
O
planejamento de aulas de escrita poética tendem a se beneficiar do formato de
prática. No entanto, não se trata de prática mecânica. É necessário que as aulas sejam práticas reflexivas.
Para tal, algumas indagações são necessárias: o
que é um poema, o que é poesia? Os autores de textos verticais sem rima e
métrica fixa são poetas?
Quando
incluir o soneto em uma programação? Quando incluir o acróstico?
Poemas
são composições poéticas. Mas o que quer dizer poético? Se já experimentou e já
redigiu versos ou 'prosa poética' sabe do que se trata, ainda que não o tenha
expressado de forma didática.
A
apresentação gráfica de um poema é vertical, podendo, por esse critério, ser
facilmente diferenciada da prosa. A linguagem poética é icônica e sintética,
opondo-se nesse sentido à linearidade da prosa. A poesia utiliza linguagem
analógica e metafórica, opondo-se ainda à prosa que se inclina a aparentar o
lógico, a imitar a realidade e a inventar o verossímil. Além de ser algo
diferente da prosa, o que define a poesia para o aprendiz? Os poemas cantados
podem contribuir como instrumentos de aprendizagem de ritmos e rimas.
Jogos
dramáticos de cunho psicopedagógico podem ajudar na percepção de que a feitura
e a leitura poéticas são emocionais e relacionais (o que equivale a dizer, na
linguagem de Buber, que pertencem ao âmbito da "relação eu-tu"). A
prática pautada nesse tipo de jogo dramático encontra-se em duas publicações de
MEROLA, Edna a saber: Desbloqueio da Expressão e Técnicas de Redação (Revista
da FEBRAP, vol. 4, 1983); Aquecendo a Produção na Sala de Aula (2001). Mas para
entender o que vem a ser poético é preciso abrir-se a viver o inusitado, seja
num laboratório ou oficina de criação, seja na experiência embutida no
cotidiano (mas dela destacada).
Um
poema resulta de um estado ou momento poético vivido pelo (a) escritor (a). Um
momento poético é algo semelhante ao que a gestaltterapia descreve como o
processo de entrar em contato com o aqui e agora . É do âmbito do indivíduo,
ainda que nunca diga respeito à personalidade civil e sim a um “eu poético”.
A
linguagem poética expressa sensações, remetendo dessa forma aos sentidos
humanos: audição, visão, olfato, paladar, tato. Os órgãos dos sentidos
contribuem para obter sensações que se processam na mente. A volição, a atenção
e o contato são as condições para o surgimento da sensação, da percepção e da
consciência. Um tema é poético se traduzir a conscientização de uma experiência
de qualidade estética.
Mas
o que é qualidade estética? Ela é definida conforme a qualidade das respostas
que as artes podem dar a um determinado momento social e cultural. Para o
arcadismo valiam os temas bucólicos e pastorais; para o romantismo o amor, a
morte, a liberdade; para o parnasianismo contava mais a forma do que o
conteúdo, prevalecendo a concepção clássica de busca da perfeição; para os
simbolistas o etéreo e o diáfano. Os modernistas incluíram os temas cotidianos.
Nas concepções canônicas os efeitos da poesia são estéticos, devendo provocar
deleite e sublimação. Nas concepções contemporâneas o ‘feio’ e o ‘impuro’
comparecem como elementos estéticos. Prevalece a noção de que o jogo poético
tenha função humanizadora e que contribua para a construção do pensamento
divergente (inclusivo e criativo).
É importante na construção poética: a ativação
de emoções no eu poético; a expressão de sensações e sentimentos pela
utilização de ícones; o uso da linguagem metafórica.
Abordaremos
duas formas de poemas: o soneto e o acróstico. A produção desses tipos de
poemas são excelentes exercícios cognitivos. Sem contraindicação para
aprendizes a partir das séries finais do Ensino Fundamental e ainda para idosos que apreciam desafios.
Soneto
é uma forma de poema propagada por Petrarca e Camões. Anos 1500... Faz tempo,
não é mesmo? Considerando que soneto é uma forma clássica, por que incluir o
soneto num curso atual?
Soneto
era uma composição poética para ser cantada. Era de uso popular, para quem não
usava partituras com pautas musicais para anotar suas produções sonoras. Hoje
temos o gravador nos nossos celulares e poderemos fazer esses registros
facilmente.
Se
quisermos aprender a fazer sonetos também estaremos nos preparando e nos
abrindo para compor música, ainda que sem partitura...
Você
gosta de ler sonetos? Um sonetista conhecido por nós brasileiros é o Vinícius
de Morais.
Você
gosta de escrever sonetos? Já tentou?
Apresentamos
o soneto Ouvir Estrelas de Olavo Bilac (poeta brasileiro do Parnasianismo) para
apontar as rimas usadas no soneto clássico.
Apresentamos o soneto Ouvir Estrelas de Olavo Bilac (poeta brasileiro do Parnasianismo) para apontar as rimas usadas no soneto clássico.
Ouvir Estrelas
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir o sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizes, quando não estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".
Observe
que são 14 versos ao todo, divididos em dois quartetos e dois tercetos.
A
primeira tem quatro versos: trata-se de um quarteto. E a segunda também.
A
terceira estrofe tem três versos (é um terceto). A quarta estrofe também.
Na primeira estrofe, as
rimas são do tipo ABAB. Já na segunda estrofe, as rimas são do tipo BABA. Na
terceira estrofe temos rimas do tipo CDC; e na quarta: EDE.
Quanto
à métrica temos versos decassílabos. Escanear um verso é contar suas sílabas,
conforme segue:
O/RA/
(DI/REIS/) OU/VIR/ ES/TRE/LAS!/ CER/TO
Observe
que da última palavra só se conta até a sílaba tônica (CER) e ignora-se o que
sobra (TO).
A
sexta e a décima sílabas poéticas são tônicas em todos os versos do poema Ouvir Estrelas. Isso também é um padrão do soneto decassílabo.
Se
você tiver interesse em começar a 'treinar' a escrita de sonetos, logo irá
perceber seus efeitos. É como um exercício de quebra-cabeça que nós mesmos nos
propomos. O resultado é algo melódico que algumas vezes dá para ser cantado,
após sua escrita.
Um soneto tem sua sonoridade e ritmo valorizados ao ser declamado ou cantado. Um soneto é algo propício para ser dramatizado já que sua cadência suscita a expressão corporal que o acompanhará. Sonetos são bons para saraus.
Há
um quebra-cabeça bem mais simples e que muitos já fizeram com o nome de seus
amores de adolescência. Essa forma é o acróstico, ou seja, qualquer composição
poética na qual certas letras de cada verso, quando lidas em outra direção e
sentido, formam uma palavra ou frase.
O
acróstico não propõe rima e métrica fixa como o soneto (mas há alguns poetas
que incluem recursos sonoros também no acróstico, dificultando um pouquinho
mais sua feitura). Regra geral o acróstico valoriza o visual do poema: é para
ser visto.
Veja
o acróstico que fiz com a palavra ACRÓSTICO para que possa gravar:
Aprenda
Com a visão:
Rever não é
Ócio.
Socializar
Traz parceiros...
Inventar
Com dedicação é
O mister da poesia!
Em apresentações de acrósticos costuma-se levar uma cópia para cada pessoa presente poder usufruir de seu jogo 'visual'.
Referências
Dicionário On Line de Português.
MEROLA. Ensinar a escrever poemas é uma tarefa
possível? Blog Aquecendo a Escrita. 2012
__________ Rimas e Métrica. Blog Netiativo. 2013.
Indicações de leituras
MEROLA. De que são feitas as Histórias.
Florianópolis: Postmix. 2014.
_________ Desbloqueio da Expressão e Técnicas de
Redação através do
Psicodrama. Revista da FEBRAP. Anais do IV Congresso
Brasileiro de Psicodrama. 1984.
________ Aquecendo a Produção na
Sala de aula. São Paulo: Nativa. 2000.